O TERCEIRO SERMÃO DA MONTANHA MÁGICA

Tanta poesia consumida de desejos reprimidos Tanta poesia feita de gestos abortados De boa intenções que não salvaram — Sim: mais de uma vez ao dia merecemos o inferno — Pois é: Tem mais não
SIGNO-SINAL

Um dia vou morrer Isso diz muito Ou mesmo tudo Pensamos mesmo a morte Quando pensamos a morte Que até esquecemos Que mesmo pra pensar na morte Ainda é preciso estar Minimamente vivo Um dia vou morrer Isso é certeza Tão certa quanto a filosofia E a besteira Um dia vou morrer Até lá pode […]
SÍSIFO

Em trabalharmos esperamos Que os dias sejam curtos E que sejam eternos Os domingos Que não duram mais que os outros dias Que apenas anunciam o retorno Em trabalharmos contamos As horas os dias as semanas Como se o fim de um mês concluísse junto um ciclo Como se esquecêssemos que ficamos um mês mais […]
AMOR FATI

Há no samba um amor fati Um carinho amargo maturado Por aquilo que é como é Ainda que não tenham lido Nietzsche (Que é difícil crer que soubesse dançar Mesmo uma valsa) E nem falem latim Há no samba um amor fati Marítimo e telúrico Um apego desesperador Às razões misteriosas Do mar e da […]
RECEITA DE SUCESSO

O homem Bem sucedido Secreta e Perfeitamente Esconde O seu fracasso
ÁGUA, LÚPULO E CEVADA

A cerveja é um complexo composto químico Nascido de um emaranhado entrançado De uma viva colônia paciente e urgente Uma mínima forma que domina o tempo Do qual em determinado momento da história O sr. Vicente Monteiro tirou seu sustento Seu protesto e sua revolta social A cerveja é um líquido Que se esvai, que […]
O PEQUENO LIVRO DOS OLHOS

Para Heliana Querino Uma amiga Esses grandes olhos serenos de chuva futura Esperançosos de ver o que será, por saber mesmo As notícias distantes do futuro Olhos com voz delicada do sertão Voz de muitos dedos invisíveis mas sensíveis, voz Sobretudo e primeiramente De raízes tão antigas e histórias e memórias Olhos negros e redondos […]
Duelo

Ser poeta Perfeito Preciso Exato Não se concretiza Antes que um bardo Pretenso e mais jovem Nos jure de morte
Ornitologia

Amor Mil vezes Ou dez se tanto Passou pela mera vida Que o pássaro raro confundi Com o pardal invasor Que ainda assim tem Sua cinza beleza A vida hoje A gaiola arrebentada Que é de justiça O céu muito vazio Que é de liberdade O coração muito sem nada Que é de solidão Negro […]
Xibolete

Um dia Pela rede Anunciará O computador: “O último passou; Já não temos que fingir”
Belchior

Para Reginaldo da Silva Domingos, O Metafísico, ou Melhor, O professor nosso De melancolia Meu caro amigo imenso De eras tão distantes A quem mesmo revelei O nosso oculto judaísmo De tirar os sapatos Bem após a festa Eu lhe digo simplesmente: Como eu precisava Rejuvelheci Espalha pois a boa notícia e — Manda lembranças […]