Bob Dylan, laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2017, em sua “Balada de um homem fraco” canta a ausência do esforço por compreensão e a falta de consequente reação de Mr. Jones diante da realidade que o cerca. Em um trecho da canção, Dylan sugere que deveria haver uma lei proibindo-o de ficar imóvel, divagando, sem enfrentar as tensões em sua volta, “because something is happening here, but you don’t know what it is”.
Em nosso último artigo tratamos dos gestos abjetos desenvolvidos milimetricamente pelo terror bolsofascista visando imprimir medo nas pessoas e grupos por ele escolhidos, como alvos para seus ataques, cujo objetivo é o de lhes injetar o medo além de lhes impor uma condição sub-humana. O bolsofascismo requer o uso da violência – simbólica e real – como estrutura necessária para a realização de seus fins ideológicos e como forma de obter a manutenção e adesão de militantes. Como ideologia que visa persuadir e mobilizar as massas – a ralé, como afirma Hannah Arendt – não escolhe aleatoriamente seus alvos; pelo contrário, suas vítimas são escolhidas criteriosamente a partir de seus interesses ideológicos.
Entre a enormidade de gestos abjetos perpetrados pelo bolsofascismo no atual período governamental, registra-se o discurso do deputado estadual Frederico D’Ávila (PSL-SP), em 14 de outubro de 2021, portanto um ano atrás, contra duas autoridades da Igreja Católica, o arcebispo de Aparecida do Norte (SP), Orlando Brandes, e o Sumo Pontífice, Papa Francisco, xingando os dois como “vagabundos” e “safados”, pelo fato de o arcebispo haver condenado em pronunciamento na homilia do dia 12 de outubro a política de armar a população rica, desenvolvida pelo governo Bolsonaro.
Além de xingar as duas autoridades católicas, o deputado bolsonarista destilou o seu ódio contra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmando que o organismo que congrega todos os bispos católicos é “um câncer que precisa ser extirpado do Brasil”.
Ontem, 12, viu-se novamente a claque bolsonarista destilar seu ódio. Na homilia principal realizada na missa matinal, o arcebispo Orlando Brandes afirmou que é urgente combater o dragão do ódio, da mentira, do desemprego, da fome e da incredulidade. À tarde, durante a visita do candidato ao Santuário, a reação à homilia do arcebispo foi imediata por parte de militantes bolsonaristas, atacando equipes de jornalistas, ameaçando-os e chamando-os todos de “comunistas” (sic!).
Por sua vez, na cidade de Uberaba (MG), a celebração do Dia das Crianças incluiu como atração principal a exposição de armas pesadas, na qual policiais dão explicações ao público infantil sobre o funcionamento de rifles, metralhadoras e bomba, num evento organizado pela Prefeitura, sob o comando da prefeita Elisa Araújo (Solidariedade), bolsonarista engajada na reeleição presidencial do candidato da extrema-direita.
Por fim, continuamos a receber mensagens de todo o Brasil saudando o nosso artigo “Desvio de atenção” no qual tratamos do assédio moral e eleitoral praticado abertamente por empresários e religiosos bolsonaristas depois da apuração do primeiro turno, desesperados pelo prognóstico de vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva agora no segundo turno. Causou espanto a muitos destas interlocutoras e interlocutores a posição pública do clérigo franciscano alemão, tratada no referido artigo, ao utilizar o altar da celebração eucarística, no dia 8, para fazer campanha aberta para o candidato da extrema-direita, em ato transmitido para todo o Brasil pela Rede Vida de Televisão. Muitos questionam quais seriam as motivações reais que levam o referido sacerdote franciscano ao extremismo de haver tornado o altar religioso em palanque eleitoral.
Em “Terra em Transe” o cineasta brasileiro Glauber Rocha toca em nossas feridas, escancarando nosso “dia da marmota”, falando sobre o tempo que insiste em retornar, legitimando golpes de estado baseados na falácia da defesa de valores como Deus, a Família e a Pátria. Golpes de estado que colocam em xeque nossa caminhada democrática. Foi assim em 2016 que insiste em manter-se agora em 2022. O discurso moralista da classe dominante, mesmo com sua hipocrisia escancarada, abafando a luta democrática por igualdade social. Como Mr. Jones, o povo brasileiro precisa acordar. Ir além da aparência, dos fake news, da influência nefasta de determinados líderes religiosos. E a eleição de 30 de outubro apresenta-se como uma nova possibilidade histórica de mudança e construção de um novo rumo.