A Utopia de Thomas More e a busca da “ótima república”, por Filomeno Moraes

Há exatos quinhentos anos vinha à luz a “Utopia”, livro de autoria Thomas More, inaugurando as publicações sobre as utopias modernas.

Nascido na Inglaterra em 1477 ou 1478, More foi estadista, diplomata, escritor e e jurisconsulto, tendo ocupando vários cargos públicos dos quais o mais importante foi o de “chanceler do Reino” de Henrique VIII, entre 1529 e 1532. Na esteira da controvérsia provocada pela edição do Ato de Supremacia, proclamando o rei e seus sucessores chefes temporais da igreja da Inglaterra, More, recusando-se a jurar o cumprimento do tal ato, foi preso, confinado na Torre de Londres por vários meses e, por fim, considerado culpado de traição, foi decapitado em 1535.

Antes, enviado a Flandres, como membro de missão diplomática para cuidar de alguns tratados com o futuro imperador Carlos V, começou em Bruges, em 1515, a escrever a obra “Sobre o melhor estado de uma república que existe na nova ilha Utopia”, ou simplesmente “Utopia”, publicada em latim, no ano seguinte. O título adota o vocábulo “utopia”, originário do grego e significando “lugar nenhum”. Desde então, “utopia” passou a significar uma sociedade ideal, embora de existência difícil ou mesmo impossível, ou uma ideia generosa. A obra tem inexcedível inspiração de “A república”, de Platão, e inspirou grandemente o pensamento socialista desenvolvido a partir de então.

Dividido em duas partes, na primeira, o livro procede a uma crítica à Inglaterra do tempo em que o autor viveu; na segunda, apresenta uma sociedade alternativa. O personagem principal é Rafael Hitlodeu, um navegante português que teria participado de viagens de Américo Vespúcio ao continente americano recém-descoberto, que narra sua viagem à ilha da Utopia e descreve a constituição política da sociedade que viu. Para More, “[…] nenhum de nossos contemporâneos saberia descrever melhor que ele, nem com mais pormenores, os homens e os países desconhecidos. […]”. Por sua vez, Hitlodeu assevera que, “se estivésseis estado na Utopia, se estivésseis observado as suas instituições e os seus costumes, como eu que passei ali cinco anos da minha vida, e que só pude decidir-me a sair de lá para revelar esse novo mundo”, inevitavelmente, “confessaríeis que em nenhuma outra parte existe sociedade perfeitamente organizada”.

Já se afirmou que, no que concerne à adoção de uma teoria descritiva ou prescritiva, a partir da relação existente fato e valor, existiriam quatro significados possíveis para a filosofia política. Um deles é o da ideia da filosofia política como busca da melhor forma de governo ou da “ótima República”. Com certeza, uma das vertentes que se pode trilhar no entendimento da “Utopia” de More é o da procura da melhor forma de governo ou, nas próprias palavras do título original, a “optima res publicae”.

Aparentemente, a obra estaria na contramão do direcionamento da ciência política de “O principe”, de Nicolau Maquiavel, o qual, na busca da “verdade efetiva da coisa [verità effettuale della cosa] do que uma imaginação sobre ela”, refuta os “muitos [que] imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos e que nem se soube se existiram na verdade”, tudo “porque há tamanha distância entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes sua ruina do que sua preservação”.

No século XX, More receberia duas “santificações”. Em 1918, na Rússia leninista foi entronizado como um dos importantes contribuintes teóricos para o socialismo. Já em 1935, foi reconhecido como mártir pelo papa Leão XIII e canonizado. Por sua vez, em 2000, Joao Paulo II o declarou “patrono dos estadistas e políticos”, ressaltando que Thomas Morus “viveu a sua intensa vida pública com humildade simples, caracterizada pelo proverbial ‘bom-humor’ que sempre manteve, mesmo na iminência da morte”.

No romance homônimo de Umberto Eco, o personagem Baudolino relatava: “Assim, senhor Nicetas, quando eu não era vítima das tentações deste mundo, dedicava minhas noites a imaginar outros mundos”. E considerava que, “um pouco com a ajuda do vinho e outro tanto de mel verde”, “não há nada melhor do que imaginar outros mundos para esquecer o quanto é doloroso este em que vivemos”, concluindo: “Ainda não compreendera que imaginando outros mundos, acabamos por mudar também este nosso”. Assim, no meio das tantas distopias, nacionais ou não, é importante ou mesmo imprescindível reforçar o diálogo com Thomas More, nos quinhentos anos de publicação de a “Utopia”.

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