SOBRE O ARTISTA CEARENSE – uma experiência pessoal

O mundo da arte é especial demais. Ainda mais em relação à música! Essa última linguagem permite que encontremos pessoas diferenciadas, que juntam sentimentos e técnicas na confecção e na produção. Nesse sentido, e já revivendo cerca de três décadas como baterista, posso afirmar que, pela estrada a qual venho empreendendo meu trabalho, já toquei com pessoas infinitamente talentosas, e que revelam sua alma no entorno de saber tocar um instrumento e ser artista.

    Ampliando o contexto, a arte empreende em nós, muitas vezes, uma visão sensível para as coisas da vida. E isso ocorre também comigo, na tentativa de pensar o mundo em outros termos, outras possibilidades. Nessa história toda, e como instrumentista ligado bastante ao rock e ao blues, mas também ao que se convencionou chamar de Música Popular Brasileira, tenho encontrado figuras muito interessantes. E, mesmo particularmente havendo um contato mais direto com a conjuntura da percussão e do contrabaixo – instrumentos que formam a chamada “cozinha de uma banda” – tenho prestado muita atenção no universo da guitarra. E com prazer!

    Artefato essencialmente ligado à música de uma forma em geral, mas igualmente ao rock e ao blues, houve uma verdadeira expansão desse instrumento – ao longo dos tempos – com essas linguagens. Isso ocorreu – e ocorre! – de uma forma visceral, influenciando basicamente toda uma estética relacionada a tais gêneros, os quais, possuem grooves, riffs e solos bastante ricos e delimitadores de canções inesquecíveis, compostas por nomes como B.B. King, Hendrix, Jimmy Page, George Harrison, Steve Howe, Robert Johnson, Muddy Waters, Tony Iommi, David Gilmour, Richie Blackmore, todos eles exploradores de harmonias composicionais lembradas há décadas. E que apontam para o futuro, inclusive! Afinal: rock´ n´roll never die! Assim como o blues: never die!

    O Ceará também possui guitarristas seminais. Gente que elabora a própria vida vivenciando as seis cordas com gana criativa, talento, sensibilidade, resiliência e, sobretudo, empoderamento. Esse é o caso de vários músicos com os quais já toquei, como Roberto Lessa, Artur Menezes, Gerson Amorelly, Isaac Lázaro, Abraham Paiva, Sérgio Pessoa, Manassés, Júnior Boca, Pedro Otávio de Farias, Moacir Bedê (este, um instrumentista múltiplo e talentoso), Kazane, além de Cleison Mattza, Sérgio Costa e de Marcelo Justa. Este texto pretende contar um pouco da história dessas pessoas, principalmente dos três últimos, haja vista a forte conexão com este pesquisador. 

    Anos de 1980. Eu, baterista incipiente, um amante da música, vivenciando-a em vários momentos quase que 24 horas por dias, noites e madrugadas… Vontade de montar um trabalho… Vontade de concretizar sonoramente minha vida… Vontade de explorar espaços com minhas concepções artísticas… Mas o trabalho de um batera, muitas vezes, está relacionado a um grupo. E eu não tinha nem contatos e nem maturidade suficiente – coragem também! – para montar um trabalho solo, no qual minha bateria fosse a artista principal. Isso iria acontecer anos depois, quando montei o Projeto Bateria Brasileira, circulando nos principais palcos do Ceará, bem como em Brasília, selecionado que fui entre 39 concorrentes para o Bibliomúsica, um projeto didático da Biblioteca Demonstrativa com a “minha cara”, por assim dizer… 

    Um belo dia, minha parceira na época chega em casa e me conta que conheceu num ônibus um guitarrista muito simpático. Seu nome: Cleison Mattza. Liguei para ele. Cleison foi super acessível, amistoso mesmo. Nossa conexão foi imediata, mesmo porque ele sempre foi um músico experimentado! A partir daí vivenciamos vários projetos, com Mattza sendo diretor musical de vários deles, como o Bateria Brasileira (num determinado momento em parceria com Moacir Bedê), o Poesia, Blues e Rock´n´Roll, o tributo a Eric Clapton no Projeto Cream e também da Zeppelin Blues (em sua segunda formação).

    Mattza me surpreendia pela musicalidade e pela segurança no tocar. Nesse sentido, crescemos juntos, tocando durante vários anos em espaços como o Festival Ceará Music, Circuito Cultural do Banco do Brasil, Theatro José de Alencar, Centro Dragão do Mar e CCBNB, afora outros palcos, além de cidades como Juazeiro do Norte e estados como Piauí e Paraíba. Impressionava em sua estética sonora as características dos solos que elaborava, quase sempre profundos e intensos. Por um tempo, tocando na Zeppelin Blues, chamei-o de “Jimmy Page cearense”, pois ele tirava nota por nota o trabalho do fundador do Led Zeppelin. Mattza fazia isso de uma forma equilibrada, sem querer aparecer mais que a banda, compreendendo com maturidade as noções de atuar num conjunto. Aqui e ali me dava uns conselhos, os quais hoje compreendo como necessários ao meu desenvolvimento. Há várias histórias curiosas entre a gente, e destaco uma: quando lancei o Bateria Brasileira, ele comentou que eu era “doido” por entrar num circuito em que a tônica era uma “fogueira de vaidades” – ainda é! – e a batalha por espaços bastante difícil, por ser eu um simples artista independente e sem grande força política. Concordei com ele, e disse que era “doido” sim, “doido pela bateria”, “doido por tocar”, e arrematei: “escolhi ser vencedor, meu irmão”! Um amigo de todas as horas, o querido Cleison Mattza! Hoje acompanhado de uma família linda!!

    Já Sérgio Costa surgiu um pouco adiante. Ele me foi apresentado por um vocalista carioca muito carismático, o grande Chico Saga, quando eu estava lançando o livro “Fragmentos: poemas e ensaios” e precisava de uma banda para as performances. Sérgio e eu logo ficamos amigos! Um cara simples, amigo, prestativo, com um coração daqueles, além de uma forte musicalidade baseada no hard rock dos anos 70 – como o Whistesnake, e no rock inglês dos anos 80 – a exemplo do The Smiths. 

    Assim, em torno dessas características, eu e ele participamos de trabalhos diferentes, como a banda Lowell – com quem gravamos um EP em torno das composições do baixista Onni Matos – e até mesmo o musical Não Verás País Nenhum, baseado na obra homônima de Ignácio de Loyola Brandão e sob a batuta do diretor Júlio Maciel. Pesquisador afiado no universo da publicidade, foi Sérgio o primeiro artista que convidei para participar da Semana do Rock no CCBNB-Fortaleza em 2018, da qual fui curador. Ele elaborou uma super apresentação – repleta de informações curiosas e diferenciadas – ao falar sobre a linguagem rockeira e suas conexões com os aspectos mercadológicos no mundo e também no Ceará. Pois é, nosso amigo é daquelas pessoas que vale ter por perto, sobretudo por conta do espírito gentil e das palavras encorajadoras e sinceras que tem quando estamos juntos. Na real, ser amigo do Sérgio é um luxo, e vai daqui meu reconhecimento para o grande artista que é!

    Marcelo Justa, por sua vez, é outro parceiro irmão. Começamos nossa produção pelo ano de 2008, apresentados que fomos por um dos maiores pesquisadores de rock que conheço, o querido Fernando Pessoa. Justa e eu, rapidamente, passamos a elaborar trabalhos artísticos variados, e quase sempre tendo como referencial o universo do blues, mas não só: a música mineira que o diga! Em nossa trajetória já participamos de eventos muito interessantes, como foi a Bienal do Livro de 2012, quando apresentamos o projeto O Nordeste e o Brasil em Luiz Gonzaga para cerca de 1000 pessoas! Essa concepção envolvia linguagens diversas: a visual – exibindo vídeos referenciais do Velho Lua; a musical – unindo o baião gonzagueano ao blues e ao rock; e a humorística – o amigo Gil Soares, ator que dá vida ao personagem Caboré, ex-aluno meu no curso de Jornalismo da Faculdade Cearense, foi convidado para contar de forma irreverente a história da formação do forró nordestino! 

    Em outra ocasião, Marcelo Justa e eu abrimos, com o projeto Poemário Musical, e junto aos instrumentistas Fábio Amaral e Márcio Sousa, um espetáculo do cantor e compositor Paulinho Pedra Azul. BNB Clube lotado (cerca de duas mil pessoas!), e a gente dividindo o palco com esse grande artista da Música Popular Brasileira! Essa foi, sem dúvida, uma experiência inesquecível!  

    A parceria com Marcelo passou a render canções autorais quando ele, de uma forma surpreendente, passou a musicar poemas meus publicados no livro Fragmentos. Costumo dizer que esse nosso amigo tem música na alma, pois compõe com uma facilidade impressionante! Foi esse o nascedouro do disco Palavra, lançado de uma forma independente em 2017, o qual contém 09 canções – das 11 presentes – feitas sob inspiração composicional dele. 

    Justa impressiona também pela qualidade e pelo intenso feeling quando toca guitarra. Eu e boa parte do Ceará já desfrutamos da beleza dos solos e das viagens melodiosas que do instrumento dele emana. Inclusive, ainda hoje em dia, mensalmente apresentamos canções instrumentais num espaço histórico de Fortaleza, o Passeio Público. É ali que, aos sábados ou domingos, em parceria com o baixista João Paulo Holanda e com Rosana Lins, do Café Passeio, tocamos com o trio Caixa de Som! Nessas ocasiões, observo com atenção e curiosidade a produção sonora desse meu amigo e fico impressionado com a criatividade e a técnica que possui. Grande e genial Marcelo Justa!!

    Muito bem, caro(a) leitor(a), há momentos em nossas vidas que mergulhamos na memória e observamos como as experiências vivenciadas – no meu caso, no mundo da arte – foram ricas em diversos aspectos! Ainda lembro o primeiro show que fiz nos idos de 1985, convidado que fui pelo ator e cantor Ricardo Black para acompanhá-lo num espetáculo na Emcetur. Palco vivo!! Nervos à flor da pele! Eu e a bateria Pinguim ali! Firmes – mais ou menos…, e fortes – ao menos tentando ser…

    Ainda uma reflexão: como sou um cara determinado a ser múltiplo, e gosto de produzir em várias direções, seja na Arte ou na Educação, busco empreender confiando nos projetos que faço e valorizando diversos artistas cearenses que estejam comigo. Sou o que se costuma dizer: “um cara de time”!! Sei que pago preço por isso!! Que assim seja!! Delimitação de campo intelectual exige entrega total e crença no amanhã!! Talvez seja por esse aspecto que venho ocupando espaços tão legais, como os já citados, além do Cine São Luiz, e ao qual muito me honra: em junho de 2019 apresentei o Palavra nesse espaço fundamental de Fortaleza! Até brinco com essa história, dizendo saber que ainda ia me tornar um artista de cinema!!!

    De qualquer forma, é na companhia desses músicos o meu aprendizado artístico! Contei meu percurso com três deles, mas não posso finalizar este texto sem citar gente como Sérgio Pessoa, também um amigo irmão, guitarrista com uma pegada de rock muito interessante, e nem do fera Abraham Paiva, um virtuose na arte de tocar guitarra, meu companheiro atual na Zeppelin Blues e em outros projetos! Enfim, se sou músico, devo a todos eles a confiança de dividirem os palcos comigo, prospectando ainda muitas viagens sonoras para o que virá!! Sem dúvida: VIDA!!!!!

Carlinhos Perdigão

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OBS.: esta crônica é dedicada a todos os músicos e artistas com quem já toquei, os citados e também os não citados. Para toda essa turma, a minha mais profunda gratidão!

 

         

Carlinhos Perdigao

Carlinhos Perdigão é arte-educador, músico, produtor cultural, professor de língua portuguesa da Faculdade Plus e da UNIQ – Faculdade de Quixeramobim. É autor do livro “Fragmentos: poemas e ensaios” e do disco “Palavra”. Tem formação em Letras e Administração, com pós-graduação em Gestão Escolar. E-mail: [email protected]. Site: carlinhosperdigao.com.br

1 comentário

  1. Ackson Dantas

    Grande Carlinhos, ótimo texto! Um belo registro histórico de tanta coisa bacana que tem na nossa música.