Se Eu Fosse Uma Escritora, por JESSIKA SAMPAIO

Você já parou para pensar na seguinte questão: se a lua fosse um isqueiro, o sol seria o quê?

Repito essa frase para mim sempre que me pego em situações em que a tal ‘conjunção subordinativa condicional’ “Se” aparece. Para mim, esse “Se” é uma situação hipotética e com gasto desnecessário de energia, pois geralmente são coisas surreais como rememorar o passado que não tem mais jeito. Tais pensamentos são como a pergunta acima: sem sentido, e há reflexões mais importantes e pertinentes na nossa vida que pensar no “Se” que não tem conserto. Mas, ao lançar-me o questionamento “Se eu fosse escritora”, a frase me levou para o futuro e me fez não mais pensar em lua ou isqueiro, mas em uma situação real, possível.

Eu amo a língua portuguesa e suas possibilidades!

Partindo desse ‘Se’ futuro, revejo meus passos e lembro que sempre gostei de escrever. Fui para o jornalismo pensando em salvar o mundo e escrever! Já quis ser autora de livro infantil a partir dos sonhos que tenho, já acordei de madrugada com uma história incrível martelando minha cabeça e corri para escrever a ideia inicial, que está guardada até hoje, e nos momentos de angústia, ou em que não sei bem o que estou sentindo, corro para o papel ou computador e escrevo. Ali as coisas ficam claras e aliviam a minha mente.

Sou dessas pessoas que têm arroubos criativos. Dormindo, acordando, andando, no ônibus e principalmente pedalando. Anoto muitas coisas, outras se perdem. Muitas vezes um texto sai de uma respirada só. Esses dias vi num documentário sobre criatividade que ela vem do trivial. Talvez por eu olhar tanto em volta, e matutar tanto sobre as coisas, o texto muitas vezes já fica encaminhado nessa cabeça cearense.

Tinha a visão de que quem escreve de verdade é quem tem o dom de criar o inimaginável, quem vomita texto e só. A partir dali é só elogios. Mas descobri que escrever vai além de dom, é sentar, pensar, ler, assistir, se permitir novas coisa e até mesmo falar de coisas conhecidas. Tenho aprendido que criatividade é olhar o normal e ver beleza ou questionamento, é ir além, é misturar.

Acho que todo mundo deve ter seu processo, eu tenho lá minhas ansiedades e elas sossegam com atos simples, mas que me preparam para escrever, é como se meu cérebro soubesse que quando começo a fazer essas coisas, ele vai trabalhar com as palavras.

Garrafa de água perto, cabelo assanhado, mesa bagunçada e fone no ouvido. Nada toca, é só a mania de quem trabalhou em rádio. Ponho o fone e desconecto. Percebi que faço meus rituais. Se não tiver a água, o texto não anda. Há muita água e muito xixi.

Escrever só flui se você lubrifica os pensamentos.

Fico num olhar para a tela branca, anoto palavras chave, leio em voz alta, assisto coisas sobre, converso com amigos, desabafo e quando vejo, já tenho ele todo montadinho na cabeça. Hoje percebo que nem sempre é fácil. Mesmo com os tais arroubos, nem sempre o texto sai bom. Ele precisa ser lapidado. O pensamento acelerado grita, não se importa com regras, linearidade, coesão ou coerência, vírgulas, tempos verbais ou coisas assim. Os dedos erram as teclas e embaralham as letras.

Descobri que só vomitar o texto não é bom. Daí vem o trabalho de quem quer escrever.

Costuro parágrafos, releio, releio e releio. Ajeito uma coisa, outra, apago parágrafos completos… O primeiro momento é quase um processo de psicografia, sabe? Depois eu organizo tudo e deixa de fazer sentido só para mim, para começar a fazer sentido para o outro. Textos como este podem servir de espelho para os outros se reconhecerem ou/e poderem olhar para o que há além do reflexo.

Eu só sossego e aceito que escrevi algo bom quando consigo passar a mensagem que pensei, que aprendi. É um processo egóico. Me sinto feliz quando uso uma linguagem simples e direta e com algum aprendizado. Não é alguém invisível que escreve, é alguém real, é gente de carne e osso e quero, principalmente, que mulheres reais leiam, se entendam, se inspirem e aprendam com esse meu processo de aprendizado.

Quero entender como chegamos onde chegamos, o que trazemos de resquício histórico e quero, depois de entender, que as pessoas entendam. Homens e mulheres, principalmente as mulheres, que elas tenham voz e percebam as violências naturalizadas que passamos ou reproduzimos diariamente.

Dizer que acho que posso ser boa na escrita é novo para mim, afinal nunca tive muita confiança nas minhas produções. Sempre quis que gostassem, desejava a aprovação externa, mas não importava quantas pessoas dissessem que estava, bastava uma pequena crítica que eu me armava e achava que aquilo não era pra mim, e com o tempo eu só fui parando de escrever.

Tinha a ideia de perfeição e que eu deveria ser perfeita. Se eu não era desde o começo aquilo, não me servia. Não entrava na minha cabeça que o processo criativo é fazer a engrenagem andar, é lubrificar, fazer conexões, se alimentar de outras realidades para ter algo concreto.

Sempre achei ousado dizer o que irei dizer agora, sempre achei soberbo, mas era só falta de autoestima intelectual: Quero ser uma dessas pessoas que me inspiram. Quero que alguém como eu se inspire a entender o que a cerca. Sabe o que mais? Quero que elas entendem o seu cotidiano, acreditem em si. Acho que essa é a contribuição que sempre sonhei em fazer para o feminismo – informar.

A informação é valiosa e muitos não a compartilham ou não a aceitam. Entender qual o processo histórico e social nos influencia, nos ajuda a levantar a cabeça e lutar para fazermos o que queremos. A carga do saber não é pesada se compartilhada, ela é transformadora!

O ‘Se’ deixou de ser uma coisa absurda, pois um dia quis ser escritora. Hoje sou e não preciso de best seller, apesar de eu querer um, mas se eu consigo fazer uma mulher, uma desconhecida entender o seu cotidiano, entender que não é normal a violência e que juntas podemos fazer diferente, já me sinto feliz.

Quero um dia comprar o chá de boldo, o café, a castanha e o cuscuz com o dinheiro de um livro. Hoje não acho impossível, mas isso é graças a tantas outras escritoras que me disseram que isso é possível. Quero um dia ser uma dessas mulheres para alguém como eu, que não acreditava em si e não se via na sociedade, mas que descobriram seu papel e seu lugar.

Jessika Sampaio

Curiosa, tagarela, viajante, feminista, caótica e contraditória. Ignorante sobre quase tudo e em constante aprendizado sobre o vazio da existência. Além de ser bicho humano, já atuei como jornalista, radialista, assessora de imprensa e de comunicação, coordenadora de comunicação e em lutas ambientais e LGBTQIA+. Em processo de aceitação da escritora que grita aqui dentro.

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Jessika Sampaio

Curiosa, tagarela, viajante, feminista, caótica e contraditória. Ignorante sobre quase tudo e em constante aprendizado sobre o vazio da existência. Além de ser bicho humano, já atuei como jornalista, radialista, assessora de imprensa e de comunicação, coordenadora de comunicação e em lutas ambientais e LGBTQIA+. Em processo de aceitação da escritora que grita aqui dentro.

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