A revolta das massas, por Rui Martinho

O plebiscito sobre a permanência ou saída do Reino Unido da União Europeia (EU) contrariou o parecer dos especialistas. Foi um não ao livre comércio e velha bandeira britânica, não à globalização. Nos EUA surge um azarão surpreendendo nas pesquisas, se impondo contra a vontade dos líderes do próprio partido, negando acordos de livre comércio, ameaçando retirar os Tio Sam da OTAN, com um isolacionismo como não se via desde a I Guerra Mundial.

Os críticos da globalização, porém, não estão satisfeitos. Queixavam-se da destruição das culturas nacionais e de suas identidades. O diferencialismo, oposto ao cosmopolitismo globalizante, esgrimia o nacionalismo contra a globalização. À semelhança da parábola de feiticeiros que invocam demônios e depois são surrados por eles, os críticos da globalização agora estão chocados com o nacionalismo que ameaça a EU; os acordos comerciais dos EUA; o fluxo de imigrantes. O Brexit economicamente é irracional. Causará perdas grandes perdas ao RU; prejudicará o rejuvenescimento da população que os imigrantes proporcionam. É passional.

A passionalidade é irracional. Nacionalismo é paixão. Quem acicatou o nacionalismo contra o livre comércio queria explorá-lo politicamente. Agora, temendo os seus efeitos não programados, profliga aquilo que até ontem exaltava, fazendo-o sem nenhum rubor na face, sem fazer a autocrítica.

Ortega y Gasset, na obra A Rebelião das Massas, juntada de artigos de jornal, contesta a superioridade moral e o discernimento supostamente superior das elites. Argumentava sob a influência discreta da tradição indiana, vendo nas massas e nas elites uma mistura imprevisível de espíritos superiores em razão da doutrina do Dharma e do Karma.

Sem as influências místicas, podemos observar o efeito manada na elite intelectual, que erra invariavelmente, ao engajar-se em movimentos políticos e ideológicos. Seguiu as doutrinas racistas do século XIX; o pensamento lombrosiano; entusiasmou-se, particularmente no Brasil, pelo positivismo comteano, sem embargo das evidentes fragilidades teóricas e falta de base empírica destas e de outras doutrinas de grande prestígio.

Mudar de rumo ao sabor das conveniências é outro traço das elites intelectuais. O povo simples, que forma a maioria silenciosa, porém, não está tão exposto aos sofismas das elaboradas doutrinas dos grandes pensadores. Até repete o que eles dizem. Chega a ser iludido pelo adjetivo “científico” que os sofistas do nosso tempo invocam. Aceita, em tese, a desqualificação do senso comum, com o que tentam deixá-lo à mercê das doutrinas incompreensíveis para os simples e até muitos intelectuais.

Mas quando se sente incomodado não se deixa guiar e reage. Não sendo preparado para enfrentar desafios de alta complexidade, pode meter os pés pelas mãos e eleger um populista que cante uma música diferente daquela que já está desacreditada.

O mundo está sem lideres, sem partidos e sem projetos sérios.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

1 comentário

  1. Albino Oliveira

    Eu tenho que concordar com o professor, mas, não podemos esquecer de frizar que somos, sempre, uma enorme manada.

    A Inglaterra tomou essa postura, pelo simples fato de resguardar a ordem e o seu povo, mesmo sabendo que terá sanções do livre comércio europeu!

    Vendo a morte do padre Jacques Hamel, mostra que a Inglaterra está certa em sua postura, e que os outros deviam seguir sua decisão!

    Muito bom texto!