Assistindo às declarações de Ciro Gomes desde o início do horário eleitoral gratuito, a que se soma o que pude perceber na inconstante trajetória do candidato a presidente pelo PDT (e por ele sempre alardeada como prova de sucesso), dois livros me têm vindo à mente com significativa frequência. Vamos ao primeiro deles.
Aristóteles diz, em Ética a Nicômaco: “Qualquer um pode zangar-se — isso é fácil! Mas zangar-se com a pessoa certa, pelo motivo certo e da maneira certa — não é fácil!”
No livro, como seu próprio título sugere, o filósofo grego analisa o agir humano e constata que todo conhecimento e todas as ações do homem têm por objetivo algum bem. Nisso reside o que se costuma chamar de ‘felicidade’ e que diferencia o homem de todos os outros animais. Desse modo, ser feliz é estar em sintonia com aquilo que promove o bem-estar, seu e dos outros, o que entende por ‘virtude’.
Essa qualidade consiste em evitar extremos, evitar excessos. Por isso a razão nos impõe equilíbrio, senso de medida, e disso nasce a compreensão de tudo o que é bom e justo. E a justiça é, para ele, a maior de todas as virtudes. Passemos ao segundo.
Publicado em fins dos anos 1990, Inteligência Emocional — a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente, do psicólogo, PhD pela Universidade de Harvard, Daniel Goleman, pôs em xeque o que era considerado ‘inteligência’ nas visões tradicionais daquilo que leva o homem a ter sucesso em diversos campos: no mundo empresarial, nas diferentes profissões, nas relações afetivas, na vida pública etc.
Sem perder de vista o rigor científico, Goleman examina com clareza as grandes descobertas neurológicas e as associa à sua vasta experiência como psicólogo para traçar um perfil consistente do que se deve compreender por ‘inteligência emocional’ — aquela a que, conclusivamente, deve-se atribuir a verdadeira razão do sucesso pessoal do homem. Voltemos a Ciro Gomes.
Em que pese detentor de um currículo político notável, tendo ocupado posições importantes na sua trajetória de homem público (foi deputado estadual, federal, prefeito, governador, ministro), o candidato a presidente pelo PDT reúne o que a tradição acadêmica e o senso comum consideram atributos necessários para galgar, nos limites do país, o posto mais alto da vida pública: o de presidente da República. O que explica, então, o fato de que talvez nunca obtenha o sucesso que persegue há pelo menos vinte anos?
Aqui, pois, é que, separados por séculos, Aristóteles e Goleman se encontram, dão-se as mãos e, professorais e convincentes, esclarecem a questão: a incapacidade de lidar com as próprias emoções (e a natureza do caráter, acrescento eu) pode destruir vidas, acabar com carreiras promissoras, levar a tristes ocasos enormes talentos e reconhecidas vocações.
Na reta de chegada para o primeiro turno das eleições (a dois de outubro), o desajuste emocional, a zanga insana, a valentia que dá a ver o covarde, o ressentimento indomável, o ciúme doentio, a inveja shakespeariana, o ego desmedido, a ciclotimia mórbida (boderline?) ou outro qualquer distúrbio de personalidade, levam para o abismo a figura política de Ciro Ferreira Gomes, assemelhando-o, da forma mais vil e mais humilhante, a ninguém menos que o inqualificável Jair Bolsonaro.
Infeliz e desvirtuoso, como em Aristóteles, desprovido de inteligência emocional, como em Daniel Goleman, o candidato do PDT cava a sua própria sepultura, espezinha o que restava de sua imagem, e vê, como um Iago amargurado, cristalizar-se a vitória de Lula, a quem agride despudoradamente. Cospe à direita e à esquerda, como um bicho peçonhento, desmerecendo o que foi sucesso em sua trajetória.
Triste ocaso o de Ciro Ferreira Gomes.
ROMUALDO LIMA
Perfeita análise.
Ele sempre foi destemperado e já não disfarça mais a sua grande capacidade de criar cizânia e plantar inimigos.
Agora, insensível aos apelos para ver com clareza o risco do momento, ele, tanto quanto o inimigo comum, coloca a nossa já frágil democracia em polvorosa, acenando com aplausos ao inominável, a quem chama, adequadamente, de “colega”.