O DESPUDOR RECORRENTE DA REDE GLOBO

NO ANO DE 2025 a Rede Globo de Televisão, filha dileta da ditadura militar de 1964, estará completando 60 anos de existência. O jornal impresso O Globo, integrante do mesmo complexo organizacional, foi apoiador de primeira hora do autoritarismo nascente com aquele golpe. A capa de Primeiro de Abril do referido jornal, naquele ano fatídico, estampava uma grande fake news:“Ressurge a Democracia!”. A conclusão do editorial dava-se da seguinte forma: “Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos ou lutos. Sejamos dignos de tão grande favor”. Portanto, um misto de força armada com religião, a conduzir o imaginário popular, muito semelhante àquilo que estamos vivenciando, mais uma vez (como consta no editorial), a partir de 2016, com a modalidade de golpe híbrido pós-moderno.

Uma cobertura exemplar da linha editorial global também se deu quando da adoção do Ato Institucional 5 (AI-5)pelo general Costa e Silva, de 13 de dezembro de 1968, o qual impunha: 1) Recesso do Congresso Nacional e demais casas legislativas; 2) Suspensão do Habeas Corpus; 3) Restabelecia as cassações políticas de quaisquer cidadãos, por 10 anos de validade; 4) Criava a liberdade vigiada para os cassados; 5) O presidente-ditador poderia determinar confisco de bens; 6) Liquidava com a vitaliciedade e estabilidade dos servidores públicos; 7) O presidente-ditador poderia demitir, remover ou aposentar quaisquer servidores públicos; 8) A possibilidade de intervenção nos Estados e Municípios sem obedecer às limitações da Constituição; 9) Os interventores eram nomeados pelo Presidente da República, gozando de prerrogativas, vantagens e vencimentos amparados por lei. E a Rede Globo totalmente alinhada e promotora do regime militar.É dessa ditadura que Bolsonaro e sua claque têm saudade.

Logicamente, sem uma estrutura comunicacional forte é muito difícil manter um regime de força. Hitler já havia demonstrado isso com a propaganda nazista sob a responsabilidade de Joseph Goebbels. Na ditadura brasileira coube à oligarquia midiática essa função de divulgação e produção da semiótica da imagem ditatorial, tendo na Rede Globo sua principal ferramenta midiática. A mercadoria mais importante do jornalismo global passou a ser o Jornal Nacional, tendo se transformado em um fenômeno cultural, a ponto de ganhar a atenção da absoluta da maioria dos brasileiros todas as noites. Desconhecer ou desconsiderar esse fenômeno é impossível. Em vez disso, é melhor buscar-se conhecê-lo para tentar compreender os movimentos da cultura brasileira e de que forma foram e são transformadas em verdades as opiniões e narrativas criadas para atender os interesses daquele veículo de mensagens com seus comparsas.

No século XXI também coube a Globo dar estratégica sustentação semiótica para a guerra híbrida que se instalouem 2013 como etapa inaugural do plano dedesestabilização do governo de Dilma Rousseff (PT)elaborado pela direita brasileira, sob a assessoria de agências de inteligência estadunidense, como vêm demonstrando recentemente as revelações das reportagens investigativas do The Intercept Brasil e da Agência Pública. Agitações de rua, lideradas por movimentos recém-criados para esse fim, como o MBL, Vem pra Rua, Nas Ruas, Revoltados on-line, entre outros, compuseram oprólogo emocional a dirigir os sentidos da massa populacional com o objetivo de aderirem às opiniõesmanipuladas diuturnamente emitidas pela mídia como sendo verdades inquestionáveis. Juntamente com setores pentecostais cristãos – carismáticos e evangélicos – era preciso despertar o ódio da população contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e suas principais lideranças, o ex-presidente LULA e a presidenta Dilma Rousseff. Contra Dilma foi usado o impeachment; contra Lula, a Lava Jato.E tudo ocorreu como pautado no Plano.

Ontem, 11 de julho, para surpresa de muitos, um dos principais nomes do jornalismo global – Ascânio Seleme – publicou o seguinte editorial: “É hora de perdoar o PT. O ódio dirigido ao partido não faz mais sentido. Esse agrupamento político, o mais forte e sustentável da história partidária brasileira, tem que ser readmitido no debate nacional. Têm muito a oferecer e acrescentar. O petismo não é sinônimo de roubo”. Esse texto parece mais coisa de Fernando Cardoso. Porém, em todo caso, o jornalista assinou em nome da empresa que representa.

Define-se ato falho como uma falta de controle sobre a fala, na memória ou em uma ação, provocado pelo inconsciente. Por meio do ato falho o desejo do inconsciente realiza-se, explicando assim que nenhum gesto, pensamento ou palavra acontecem acidentalmente. Ou seja, a falha é na verdade um acerto:conscientemente sem querer, mas inconscientemente querendo. Pode-se interpretar, portanto, que quando o jornalista de O Globo afirma que “o ódio dirigido ao partido não faz mais sentido”, na verdade ele está revelando a utilização do ÓDIO CONTRA O PT como sendo a tática de produção de sentido na ação política desenvolvida pela Globo com todos aqueles protagonistas do Golpe de 2016. É uma confissão pública.

Na época do nazismo alemão, era colocada no peito dos judeus a Estrela de Davi para serem rapidamente identificados e conduzidos às câmaras de gás, instrumentos mortíferos para a realização da Solução Final. Um pouco antes, durante o jacobinismo francês, cidadãos eram levados sumariamente ao tribunal, sem prova alguma, como na Lava Jato brasileira, para serem degolados apenas pela convicção de seus acusadores. No Brasil do Golpe, conforme documentamos em nosso último artigo, https://segundaopiniao.jor.br/os-codigos-hashes/ , o processo penal não dá chance para a defesa: escolhe-se alguém e parte-se para o estraçalhamentomidiático e jurídico.

Mas o que foi que o Golpe de 2016, com seu ódio contra Lula, Dilma e o PT produziu?

Produziu desemprego, recessão, aumento da fome das populações, aumento da violência simbólica e física, entrega do patrimônio nacional aos EUA, desmoralização internacional do Brasil, aumento do desmatamento, crescimento das milícias, perda da estratégica liderança brasileira no cenário internacional. O Golpe produziu Bolsonaro, com o seu fundamentalismo religioso e sua ignorância política conceitual.

Portanto quem tem que pedir perdão é a GLOBO com todos os golpistas, a começar por Fernando Henrique Cardoso, aquele que anulou o voto no segundo turno daeleição de 2018. Até porque, para quem conhece um pouco de história, Robespierre começou degolando, mas acabou sendo degolado. Talvez ainda dê tempo para a Globo e para FHC o arrependimento e o pagamento da Penitência correspondente. O PT, ao que parece, continua a cada dia mais firme e mais forte.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Editora Dialética); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .