Nascida na serra do Estêvão, sertão de Quixadá, no dia 27 de dezembro de 1942, no seio de uma família de 7 irmãos, o pai, Antonino Fontenelle, um político, e a mãe Diva Menezes Fontenelle que dedicou a vida ao lar. A educação contou com seis anos em colégio de freiras, junto com as duas irmãs, e lá ficou até os 15 anos. Muito ativa no colégio, aos 12 anos começou a namorar, atitude que despertou uma vigilância aferrada por parte das freiras. O primeiro discurso foi também aos 12 anos. Em seguida, começou estudar piano e teatro e ainda pôs-se a dar aulas para adultos.
Herdou do pai Antonino princípios como verdade e ética. Aos 15 anos deixou o internato e mudou-se para Fortaleza, para morar com uma irmã e estudar no colégio Nossa Senhora de Lourdes. Mas as expressões que aconteciam no colégio vizinho, o Liceu do Ceará, despertaram encantamento em Maria, o movimento estudantil secundarista. Maria Luiza iniciou sua militância integrando a Juventude Estudantil Católica, e formou-se em Serviço Social (ESS, Fortaleza, CE, 1962-1965).
Em 1971, com o então marido Agamenon Almeida, viaja para os EUA e dá continuidade aos estudos de mestrado em Sociologia, em Vanderbilt University, EUA, 1971-1973
“ O Agamenon foi fazer doutorado nos EUA e eu fui fazer o mestrado. Para mim, foi com muita dificuldade, porque eu não dominava o inglês, e lá fui mãe de primeira viagem, mas dei conta do recado com o auxílio da minha irmã Zeneida — ela foi morar conosco por seis meses para nos ajudar nos cuidados com a Andréa”.
“Na trajetória da minha vida, eu me juntava com uma menina negra e muito danada lá no sertão, e as pessoas diziam que eu me juntava com ela porque negro era igual o “cão”, mesmo tendo uma relação maravilhosa com a família dela. Andávamos nos ombros de seus irmãos e sua irmã mais velha era quem cozinhava para todo mundo, já sua mãe cuidava de mim. Éramos muito pequenas”.
Ex deputada e a primeira mulher ser eleita prefeita de uma capital, além de passar pelas salas de aula como professora, dedicou grande parte de sua vida à luta no Movimento Estudantil, e ao se eleger deputada estadual participou firmemente do Movimento Feminino pela Anistia. “A Anistia foi um dos movimentos que mais me marcou, eu sempre digo que foi um movimento capaz de galvanizar corações e mentes, e isso se confirmou agora num encontro com mulheres da Anistia e com os ex-presos políticos, foi um encontro emocionante, forte e cheio de alegria, de algo que marcou as nossas vidas…Foi espetacular. Eu acho que quem viveu com coerência e com muita firmeza aquele momento, é muito difícil deixar de lutar por uma sociedade diferente”…
- Em que outra época gostaria de ter vivido: gostaria de reviver a época em que fui estudante, uma época extraordinária, o que fazíamos nessa cidade era algo muito bonito, nos encontrávamos todos os dias na Igreja do Rosário, e essa coisa de ser sal da terra era muito forte entre nós. Íamos para todos os cantos dessa cidade levar mensagem de libertação. Outra coisa: não queríamos que tivesse número fixo (de vagas) no vestibular, então lutávamos para que aqueles que fossem aprovados, entrassem na universidade.
- A palavra que eu mais gosto é SOLIDARIEDADE e a palavra que não gosto é TORTURADOR.
- Filmes para ver de novo: Dez dias que abalaram o mundo, baseado no livro homônimo de John Reed, Ensina-me a Viver, dirigido por Hal Ashby e Cantando na Chuva, um clássico que eu adoro.
- Politicamente, eu sou EMANCIPACIONISTA! Antes eu me considerava revolucionária, porque queríamos sair do capitalismo para construir o socialismo, mas vimos que o socialismo apenas modernizou o capitalismo e não mudou as categorias fundantes desse sistema, mantendo a sua lógica… a luta pela emancipação humana significa uma ruptura com o capitalismo.
- Quem você ressuscitaria: três pessoas me vieram imediatamente à mente: meu oncologista Ronaldo Ribeiro – professor, médico e pesquisador, ressuscitaria o presidente da Anistia, senador Teotônio Brandão Vilela e Robert Kurz – filósofo e ensaísta alemão, dentre obras publicadas, autor de O Colapso da Modernização.
- O livro que já li várias vezes, no passado, foi o Homem que Calculava, porque eu tinha dificuldade de concentração, tudo o que dependia de memória era mais trabalhoso. Então, a lógica foi o que me pegou na matemática, gostava do raciocínio lógico. A Cretinice Parlamentar, do Lênin, depois vieram os livros que fazem crítica à questão política, diversos livros do Robert Kurz e o excelente texto de Anselm Jappe, A Democracia, Que Arapuca. Sobre a questão do feminismo, li praticamente todos os livros da Rose Marie Muraro, (era a nossa guru), mais recentemente os textos da filosofa alemã Roswitha Scholz. A questão ecológica também faz parte das minhas leituras recentes.
- Eu me acalmo com palavras cruzadas (risos), com acupuntura, dançar, beijar…toda relação que dá prazer, que dá gozo é também uma relação que acalma.
- Eu me irrito com qualquer tipo de injustiça, mentiras e demoras, porque sou muito pontual.
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A emoção que me domina: me sinto quase como uma pessoa predestinada, foram tantas coisas boas que aconteceram na minha vida, que só o relembrar já é uma emoção muito grande. Claro que teve momentos difíceis, no próprio período da administração popular eu tive muito mais momentos de felicidade do que o período vivido em Brasília como deputada federal, onde eu tive uma rejeição muito grande com as coisas que aconteciam ali, principalmente ver o esquema de prostituição dentro do Congresso, a conciliação, essa coisa toda, muitas vezes eu não tinha vontade nem de me alimentar. Também vivi lá período de grande aprendizado ao lado de Florestan Fernandes e tantas outras pessoas íntegras e queridas.
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Um dia ainda vou ver a sociedade emancipada.
- Existem heróis? Heróis não existem, mas eu tive uma profunda admiração por Teotônio Vilela, líder da luta pela anistia, que foi considerado um herói por muitos, e hoje considero o Jorge Romeu de Paiva um grande estrategista e entusiasta na luta pela emancipação humana.
- Religião para mim é o exemplo de Cristo, muito mais no sentido de levar uma mensagem de liberdade, não a caridade. Uma mensagem de salvação, de fé e respeito, o Cristo que não condenou Madalena. Eu vivia intensamente aqueles momentos todos, não pensava em “céu”. Hoje na minha vida só houve uma mudança de eixo, mas os princípios são os mesmos.
- Dinheiro: parafraseando o meu pai; não gasta sem ter, não deva. Até eu me casar, eu não trabalhava, não tinha dinheiro, mas nunca fui muito ligada ao vil metal, e sim, ao bem-estar. E se você me perguntar o que é esse bem-estar, para mim é uma questão muito simples: uma rede ou uma cama para dormir, café com tapioca, cuscuz com batata… Saúde, e a consciência de estar lutando por uma vida plena de sentido para a humanidade.
- A vida é desafio, sempre foi desafio e espaço de aprendizado.
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Se eu tivesse o poder, mudaria o sistema capitalista.
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Eu gostaria de ser Maria Luíza Fontenelle.
- Não perco uma oportunidade de aprender coisas novas ou aprofundar estas que eu já sei, sempre estou muito curiosa lendo livros, jornais… O nosso cérebro acumula coisas de que não temos consciência, e precisamos entender desde como ele funciona até o aspecto estratégico de superações.
- A solidão: dificilmente uma pessoa que viveu tanto quanto eu vivi, sentirá solidão, eu diria que solidão é quando existe a ausência total dessas boas lembranças.
- O Brasil é um país com dimensões extraordinárias, e um povo capaz de muitas conquistas importantes, inclusive do ponto de vista cultural, e é preciso que acreditemos na possibilidade desse povo construir uma nova história, sobretudo aqui no Ceará, onde foi capaz de romper com a escravidão. Esse povo é capaz de abrir caminhos para a emancipação.
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O ser humano vai se emancipar, nós ainda somos moldados pelo sistema, precisamos romper com isso. Nós, seres humanos, temos uma relação muito maior do que o espaço da nossa casa ou do trabalho, temos uma relação com a natureza. As mulheres que foram levadas à fogueira, elas tinham esse conhecimento e uma relação harmoniosa com a terra, isso tudo foi eliminado. Precisamos construir uma alternativa onde seremos um ser total, integral, onde a nossa consciência nos leve a uma condição plena. É esse projeto que acalentamos com tanto carinho, pela emancipação humana.
- Eu sou uma pessoa muito agitada, tenho um jeito distraído de prestar atenção. No entanto, sou uma pessoa que enfrenta tudo com muita coragem, já enfrentei câncer e continuo disposta a enfrentar o que der e vier, sou generosa no sentido de que odeio discriminação, não gosto de quem desfaz de outra pessoa, não gosto de ver alguém sendo maltratado por outro.
Um dos traços marcante na personalidade de Maria é o bom humor, ela conta que sempre teve a capacidade de detestar os erros ao invés das pessoas que erram, sempre fez essa distinção.
Maria, a sereia do sertão quixadaense, inovadoramente, e ao contrário das sereias mitológicas da antiguidade, é nascente que brota vitalidade, fascínio e sabedoria de benevolência e generosidade: “eu considero que o amor não pode se restringir somente à questão do corpo e da sexualidade, da paixão, do gozo, você tem amor por um projeto, por um ideal, por pessoas do mesmo sexo, embora não seja uma relação homoafetiva, existe a relação pais e filhos, avós e netos… o mundo está destituído do amor porque as pessoas não respeitam a diversidade, os sentimentos, você tem muita informação, coisas fáceis, rotatividade, conhece muita gente, o tato fácil, superficialidades”…
Maria Luíza Fontenelle, uma mulher de história aventurosa, inovadora e com uma capacidade fascinante de unir o rigor e a convivência com mundos muito diversos entre si, criou juntamente com Rosa Fonseca, Jorge Paiva, Célia Zanetti e outros um movimento que nas palavras do filósofo e ensaísta alemão Anselm Jappe, é “um grupo “político” – talvez o único no mundo – com um “programa” do qual ele pode se declarar plenamente de acordo. “Criaram algo ainda mais difícil e raro, mas algo sobretudo ainda mais belo – um pedaço daquele mundo humano que desejamos para o futuro…”.
A menina que conheceu a vida sob os mais diversos aspectos e viveu várias vidas em uma, modificou o viver de muitas pessoas, tem um sorriso que transmite alegria de existir, que deixa marcas de felicidade. No livro Dicionário Incompleto de Mulheres Rebeldes (Ana Barradas), Maria seria aquela que viria a torná-lo completo, ou se não, enriquecê-lo ainda mais.
“Amei a Deus e não vi sua face
Amei os homens e me perdi buscando
Amei a Ti e sofri te encontrando
A minha luta é busca incessante
De um ideal jamais conquistado
Num mundo cheio de barreira e muro
Quero ser chama e romper o escuro
É caminhada sem recuo ou curva
É mais que dor, é verdade ousada
Que faz do amor um hino de vitória
E torna escuro doce madrugada”.
Poema escrito por Maria Luíza Fontenelle e musicado por Zé Vicente.
Roberto Brandão
Uma das primeiras mulheres a ser eleita prefeita de uma capital. Gardênia Gonçalves foi eleita prefeita de São Luis em 1985 também.