Ética: por que a santidade dos políticos?

Legislativo, Executivo e Judiciário são instrumentos da democracia e a expectativa é que haja moderação no seu relacionamento. Isso não indica que não haja conflitos, pois todos estão sobmetidos ao olhar da soberania popular caracterizada por sua diversidade. A criatividade desse modelo é evitar que um poder se sobreponha sobre outro, evitando alguma forma de tirania. O foco é a liberdade do cidadão, uma forma de liberalismo cultural onde as pessoas se sintam livres ao obedecer, pois quem manda também está obedecendo, formando um sistema semelhante ao da natureza. Esse foi o espírito que dominava no Ocidente no século das luzes, quando essas ideias foram discutidas. Era o auge do Iluminismo: a ideia de que a razão era a salvação. Não foi, portanto, o individualismo possessivo que inspirou a revolução inglesa, em pleno final do século XVII, de John Locke, orientador do domínio do Legislativo sobre o Executivo, que inspirou a criação de nacionalidades.

Democracia, portanto, foi o sistema político que sustenta um pacto civilizatório numa sociedade com diversidade tanto de classe, quanto cultural (religião, etnia, etc.), em potencial estado de “guerra civil”. Os poderes, girando em torno desse pacto, são orientados por leis e consultas populares (eleições, plebiscito, etc.), além dos movimentos populares, a expressão dessa diversidade e um termometo dessa fonte do poder democrático. O limite de toda atuação política na democracia é a lei, o estado de Direito.

Essa introdução sobre os fundamentos da democracia, consolidada no Ocidente após as guerras mundiais e que estimulou a criação de nacionalidades via ONU (Organização dos Estados Nacionais), serve para enfatizar o momento político brasileiro, onde os poderes da República vivem um ativismo político típico de um processo de consolidação de uma ética liberal. Os Estados Unidos passaram por esse momento na década de 1930, quando buscaram aperfeiçoar o controle sobre os sonegadores. Al Capone foi o exemplo que chamou mais a atenção. Mas o caso mais lembrado é a operação “mãos limpas”, da Itália, já no final do século XX, onde se criou instrumento de fiscalização e controle, no Judiciário e na política, que foram adotados no sistema brasileiro e que agora começam também a fazer efeito.

A operação italiana, lembramos, destruiu as bases do sistema partidário representativo italiano, quando os partidos que tinham alguma relação com a sociedade civil, desestruturado com a operação, fez retornar o personalismo na política que explica a chegada do bilionário Sílvio Berlusconi, que foi Primeiro Ministro entre 1994 e 1995, de 2001 a 2005, entre 2005 e 2006 e de 2008 a 2011.

A sociedade brasileira, portanto, vive um momento importante de sua democracia onde os poderes se deparavam com a tradicional ausência de controle da soberania popular, e a eleição era quase o único momento em que ela participava. Sem partidos representativos, elegiam seus “representantes” confiantes na sua santidade. A Lei da Ficha limpa era uma necessidade nestas condições. Chega o momento em que a santidade não é a qualidade decisiva, pois os controles externos vão sendo criados para que a lei seja cumprida impondo essa atitude, e o papel dos políticos passa a ser o fortalecimento dos vínculos com a sociedade civil organizada para garantir não apenas a governabilidade, mas a vinculação da política com a sociedade. Esse é um dos desafios para encontrar uma luz no fim do poço.

A santidade na política do Estado Laico será debatida por nós após a Semana Santa. O momento é sagrado!

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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1 comentário

  1. Rodrigo Batista

    Venho aqui elogiar o seu artigo intitulado, Ética: por que a santidade dos políticos, publicado recentemente no Segunda Opinião. Muito perspicaz a sua análise sobre os fundamentos da democracia e a relação feita com o atual momento do Brasil! Parabéns!