A defesa da democracia passa pela defesa dos direitos humanos

O poder absoluto corrompe de forma absoluta.

Em 31 de março de 1979, data em que se registrava o décimo quinto ano do golpe militar, numa edição especial do jornal Folha de São Paulo, ao fazer uma avaliação crítica daquele momento, para o gal. Alfredo Souto Malan a opinião pública reclamava com razão, impacientemente, pelo fim do arbítrio uma vez que, depois de 15 anos, o movimento golpista “não conseguiu acabar com a corrupção, não conseguiu organizar a vida administrativa do País, não conseguiu ordenar suas instituições políticas, nem conseguiu dar melhores condições de vida para o povo e, pelo contrário, só tem feito aumentar a área de miséria e a concentração da renda nacional nas mãos de uns poucos”. Um diagnóstico proferido por alguém insuspeito.

Em aberta contramão com a opinião do general Malan, algumas das últimas manifestações de rua, principalmente naquelas do último dia 15 de março de 2015, é de causar espanto a exibição de faixas por parte de alguns milhares de jovens, pedindo o retorno do regime militar. O que saberia essa juventude sobre as “manchas torturadas”, da produção institucionalizada de lágrimas, do cerceamento de liberdades, do sufocamento das vozes da rua? Que conhecimento têm do uso da tortura, como política de Estado, para alicerçar uma doutrina de segurança nacional? O que poderiam dizer sobre o que foram os atos institucionais AI-5 e do 477? O que eles sabem da miséria em contraste com da concentração de renda nas mãos de uns poucos, de que fala o gal. Malan?

O espectro da Casa-Grande continua a rondar as mentes e os corações dessa parcela de juventude de forma muito mais intensa do que imaginamos. Aprendemos com os estudiosos do Brasil que a Casa-Grande era o símbolo do poder do sistema escravista, comandada pelo senhor do engenho, cuja estabilidade patriarcal estava apoiada no suor da mulher e do homem negro. Para esse sistema, negros e índios (ou seja, as minorias) não eram considerados humanos. Famílias abastadas, que se assentaram no Brasil, fundaram no período colonial espaços públicos sob o seu comando e consolidaram seu poder criando redes de relações e influência: o Estado aparecia como adjuvante por trás destas famílias que se denominavam a “nobreza da terra”. E essa forma de pensar e agir que continua muito presente nas manifestações que pedem o retorno à ditatura, para sustentar os seus privilégios.

A data de hoje deve ser relembrada para que não esqueçamos jamais o valor da democracia conquistada sobre o sangue e o suor de muitos democratas brasileiros. No momento em que um segmento da juventude vem à rua, de forma inadvertida pedir o retorno de um regime de exceção, é mister perguntar-nos sobre como estamos produzindo uma cultura para democracia em nossas escolas, em nossas famílias, em nossas empresas, em nossas igrejas, em nossas instituições em geral. Se jovens sentem-se motivados a publicamente exporem-se a esse ridículo é porque algo no processo de elaboração de nossa democracia está falhando. E sem dúvida, precisamos olhar com muita atenção para esses sinais com o objetivo de entender que ações precisamos adotar para fortalecer nossa democracia como um sistema que garanta radicalmente a defesa, por parte dos cidadãos e das instituições, dos direitos humanos universais.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Editora Dialética); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .