WAGNER NO CINEMA

Quando o então Secretário de Cultura Roberto Alvim fez o seu desavergonhado pronunciamento reeditando chavões nazistas, é natural que a grita tenha sido a que resultou na demissão do titular da pasta, isto é, que não tenha descido a detalhes que pudessem de alguma forma isentar a arte de Richard Wagner, cuja música Lohengrin fazia fundo ao Goebbels bolsonariano. Eu mesmo deixei, naquela oportunidade, de realçar os atributos artísticos do compositor alemão, que me parecem isentos, sob o ponto de vista estético, das abomináveis motivações nazistas do pronunciamento em pauta.
Pois bem, no cinema, por exemplo, a música de Wagner pontua a trilha sonora de algumas pérolas ao longo de muitos anos, muito embora o compositor alemão tenha morrido doze anos antes do cinema surgir, em 1895, conforme tentarei, de memória, evidenciar aqui.
Quem haverá de esquecer, por exemplo, a cena antológica dos helicópteros ao som de A cavalgada das Valquírias, em “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola, num dos momentos mais eletrizantes da história do cinema? E da tocante sequência em que Isolda morre sob a romântica Liebestod, em “Tristão e Isolda”? Ou do refinadíssimo seriado “Os Maias”, em que também é Liebestod que embala os encontros de Pedro da Maia e Maria Monforte? Aliás, em tempo, pode-se concluir que de todo o repertório de Wagner é Liebestod a preferida dos diretores de cinema e teatro.
Ela está, ainda, por improvável que pareça, numa sequência de “A idade do ouro”, de ninguém menos que o surrealista Luís Buñuel. Para não falar de Fritz Lang e Hitchcock. Deste, para citar outro exemplo, ocorre-me lembrar “Os pássaros”, em que, num curioso merchandising estético, um exemplar de Tristão e Isolda pode ser vislumbrado na coleção de Suzanne Pleshette.
A propósito, para Max Steiner, autor de trilhas memoráveis do cinema, obras-primas como “… E o vento levou” e “Casablanca”, sem falar em “O tesouro de Sierra Madre”, Richard Wagner, fosse homem do nosso tempo, teria sido o maior compositor de músicas do cinema.
Na Alemanha nazista, sabe-se, lamentavelmente a arte era ferramenta do Estado, e sua função era enaltecer o ideário hitlerista. A pujança sonora do repertório de Richard Wagner prestava-se bem a fazê-lo. E isso, por motivos óbvios, foi o que levou o desastrado ex-secretário de Jair Bolsonaro a escolher Lohengrin como fundo do seu inaceitável pronunciamento.

Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica

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Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica