VISÕES DE MUNDO BEM DIFERENTES

A literatura especializada na ciência política define o fascismo como um movimento reacionário de massa, movido por discursos superficialmente críticos e violentos ao sistema democrático, apoiado por segmentos das classes intermediárias e populares, desejosas de um poder autoritário a lhes ditar o que fazer, aspecto este analisado pelo psicanalista e sociólogo Erich Fromm detalhadamente ao longo de sua obra. Enquanto regime político, o fascismo tem como objetivo “eliminar” o outro opositor, particularmente a esquerda – identificada como a vertente defensora da igualdade social – do processo político, muito bem elucidado no livro “Fascismo e Ditadura”, de Nicos Poulantzas. Ao chegar ao poder, o bloco dirigente fascista implanta um governo antipopular e antidemocrático para atender os interesses da burguesia contra os interesses dos trabalhadores, buscando desmantelar toda a institucionalidade e conquistas democráticas alcançadas.

 

Esse movimento reacionário de massa, no caso brasileiro, ganhou força no final de 2014, pela ação da alta classe média paulistana, sob o comando do PSDB, que havia perdido seguidamente quatro eleições presidenciais. Pelas mãos de Aécio Neves (PSDB–MG) e da Rede Globo, deu início a uma série de procedimentos políticos e midiáticos, sempre mais orquestrados com outros segmentos institucionais, visando a desestabilizar o governo reeleito democraticamente de Dilma Rousseff (PT) até implantar o golpe híbrido de sua destituição. Para o neofascismo nacional a esquerda a ser eliminada é justamente a caminhada popular e participativa democrática brasileira, sob a liderança do Partido dos Trabalhadores. Como afirmou Paulo Skaf (FIESP), na Folha de São Paulo (22/01/2020): “Apoiamos o governo Bolsonaro. Tivemos a coragem de ser a primeira entidade a apoiar o impeachment de Dilma Rousseff”.

 

O ódio ao PT, às suas lideranças, a seus militantes e simpatizantes, foi o fulcro central da orquestração do reacionarismo. Por exemplo, viu-se uma onda de pessoas comemorando o câncer de Lula e de Dilma; médico explicando como se poderia acelerar a morte de dona Marisa, esposa de Lula, na mesa de cirurgia; ampla distribuição de adesivos obscenos de Dilma afixados nos veículos em todo o Brasil, pelo fato de a gasolina custar R$2,69 (dois reais e sessenta e nove centavos); bonecos de Lula e de Dilma enforcados em diversas manifestações de rua; tiros sendo disparados contra ônibus das caravanas do PT; acampamento de Curitiba (Lula Livre) sendo atacado por vândalos e comemorado pela população local; pilotos de avião dizendo que tinham que “jogar a carga fora” (Lula); deputado federal dedicando seu voto ao torturador Brilhante Ustra na sessão do impeachment; uma médica do Rio Grande do Sul recusando-se a atender uma criança porque sua mãe era filiada do PT; e assim por diante.

 

O resultado da eleição presidencial de 2018 não é obra do acaso, é fruto do ódio alimentado na sociedade. É sobre a base “antropológica” do ódio que o fascismo nasce e desenvolve-se. Por isso a fixação contínua de Bolsonaro em alimentar esse clima de ódio ao outro diferente, em suas redes sociais. Ora ele manda “banana” para jornalistas independentes em suas atividades profissionais, ou então xinga suas mães; por outro lado, não se cansa de professar palavrões em entrevistas; ou ainda de desqualificar instituições defensoras do meio ambiente, como no caso recente ao chamar “porcaria” o Green Peace.

 

Neste clima de horror apoiado por diversos segmentos da sociedade, na semana passada, pelo menos dois fatos diametralmente opostos merecem uma atenção particular. Primeiramente “a queima de arquivo” do ex-capitão Adriano da Nóbrega, no dia 09 de fevereiro, no sítio do vereador Gilsinho (PSL), na Bahia. Adriano era integrante de uma das principais milícias do Rio de Janeiro, em Rio das Pedras, na qual praticava o crime de agiotagem contra a população local, tendo cometido atentado (2008) à vida do pecuarista Rogério Mesquita, além de ter ligações com a máfia de caça-níqueis e jogo do bicho. Em 2003, ainda quando era deputado estadual, Flávio Bolsonaro, o Zero-Um, fez-lhe uma homenagem – menção de louvor – na Assembleia Legislativa (Alerj), “destacando que o capitão desenvolvia sua função com brilhantismo”. Como se não bastasse, em 2005, Zero-Um fez uma nova homenagem a Adriano com a mais alta honraria da Alerj: a Medalha Tiradentes. Portanto, Zero-Um não pode agora vir a público para afirmar que não tinha ligações com o ex-capitão Adriano. Essas ligações precisam ser bem explicitadas pela investigação que apura o sinistro na Bahia.

 

O segundo fato expressivo da semana foi o encontro, em audiência reservada, do Papa Francisco com o Presidente Lula, para tratarem da Pobreza e da Desigualdade que crescem no mundo, além de questões envolvendo Democracia e Meio Ambiente. Para Lula, “quando o Papa Francisco pede para nos reunirmos em Assis (em Março de 2020) para discutir a igualdade, chamando milhares de jovens a refletir sobre a nova economia do mundo, trata-se de uma decisão encorajadora que aborda uma questão essencial para o futuro das populações em todo o mundo. O Papa quer fazer coisas que são irreversíveis, que deixarão uma marca para sempre na sociedade. Alimentar os jovens para discutir os problemas econômicos do mundo é uma necessidade, deve servir de exemplo para o movimento sindical, para igrejas e partidos políticos. Se toda pessoa, aos 84 anos de idade, tivesse atitudes como esta, ao levantar questões que abrem debates, poderíamos encontrar soluções mais fáceis para todos”.

 

Por sua vez, o Sumo Pontífice, ao dirigir palavras ao Presidente Lula, disse: “Agradeço-lhe bastante pelo objeto de sua visita. E gostaria de dizer que estou muito feliz por vê-lo caminhar livremente pelas ruas”.

 

Há quem prefira Bolsonaro com sua tresloucada e violenta intolerância; há quem fique ao lado dos valores dialógicos, fraternos e universais contidos e expressos no encontro entre Francisco e Lula. Visões de mundo bem diferentes.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

Mais do autor

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .