UMA MUDANÇA HISTÓRICA, por Rui Martinho

O campeonato mundial de futebol, realizado no Brasil em 2014, não evitou manifestações políticas de inconformados, iniciadas em 2013. O campeonato deste ano não empolgou. Raros eram os carros com bandeiras alusivas ao evento. Nas redes sociais, porém, esteve ativo o debate político. O Brasil ideologicamente monocromático apresentou uma fissura. A tribuna proporcionada pela internet contribuiu para isso. Falam em onda conservadora (do Macunaíma). A crise fiscal do Estado provedor no Brasil e no mundo, porém, foi mais importante.

A eleição de Trump, a vitória do Brexit, as últimas eleições na França, Chile e Argentina sinalizam uma curva (cíclica?) de alcance internacional, no mundo globalizado. O discurso fácil de defesa dos fracos e oprimidos perdeu grande parte do poder de sedução. Parecia a defesa desinteressada de valores por parte de relativistas em ética e gnosiologia, contradição apaziguada por uma “senhora de costumes cognoscitivos fáceis”, chamada dialética (Lucio Colletti, 1924 – 2001).

O exercício prolongado do poder, a prodigalidade com o dinheiro público, na tentativa de cumprir promessas generosas, levando ao desastre, não escapou à observação da chamada maioria silenciosa. A Torre de Babel da política (Michael Oakeshott, 1911 – 1990), ofertando o céu na terra, não deixava espaço para os seus críticos. Não falava na necessidade de investir ou que para isso é preciso poupar ou contrair dívida. Não falava em produtividade, que é a capacidade de produzir mais com os mesmos fatores. O bom gerenciamento de recursos aparecia nos seus discursos como figurante. Só dizia que a riqueza já existe e está a espera de ser conquistada, direito adquirido por todos ao nascer.

Os críticos da “Torre de Babel” sempre desmontaram os seus argumentos. Mas não eram divulgados. Nem eram compreendidos pelos poucos que deles tinham notícia. É difícil fazer alguém compreender o que não quer aceitar e os professores desqualificaram.

Quem restou para enxergar os equívocos da “Torre de Babel”? Uns poucos curiosos que leram as obras do “index de livros proibidos” e os iletrados, que não passaram pelo catecismo ideológico das escolas e universidades. São estes que formam a base eleitoral dos inconformados com as fantasias da Torre de Babel. Ficamos entre a narrativa do Estado provedor, com a crise fiscal; ou a revolta dos ignorantes e seus líderes profundamente despreparados. Será o velho dilema: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”? Existe esperança. Os simples, ainda que simplórios, erram menos do que os fariseus, travestidos de sábios. Os simplórios erram, mas não arquitetam o mal ou o fazem de modo mais primário.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.