UMA ALIANÇA INSTÁVEL, por Rui Martinho

Liberais e conservadores marcharam juntos em 2018. Não houve aliança. Não negociaram acordo programático além de generalidades. As duas tradições têm desavenças. Os rótulos aludidos ensejam equívocos. A palavra “liberal” desperta múltiplos (des)entendimentos agravados pela pós-modernidade, que acentuou a indeterminação dos conceitos.

Alguns decodificam o vocábulo pelo seu significado em economia, pensando só na liberdade dos agentes econômicos, confundindo liberalismo com liberismo. Outros pensam nos costumes, indiferenciando equivocadamente liberalismo e licenciosidade. Nos meios teológicos há quem pense que liberalismo é exegese criativa, com acomodações e secularização. Poucos sabem ou recordam que a essência do liberalismo está no princípio segundo o qual o homem pertence a ele mesmo, conforme Pierre Manent, na obra Os liberais. Isso significa não pertencer necessariamente a classe social, igreja, partido, pátria ou família.

O auto pertencimento significa poder fazer escolhas tendo como limite apenas a lei. Lido a contrário senso, significa aceitar a obrigação de cumprir a lei. Está longe da licenciosidade. A violação dos costumes é um desrespeito ao que dispõe a normatividade social, seja ela consuetudinária ou escrita e amparada pelo Estado democrático. Não guarda relação com o significado do liberalismo teológico. Esta preocupação cresce de importância no momento em que o debate confessional ganha espaço na política em todo o mundo. O auto pertencimento do liberallismo, todavia, não autoriza o voluntarismo hermenêutico. O que ele reivindica é a liberdade do homem naquilo que diz respeito tão somente à sua pessoa. Tanto é assim que aceita as responsabilidades sociais amparadas em lei.

O liberalismo em política pode ser confundido com o significado dado nos países de língua inglesa, nos quais designa o socialismo democrático. Não é este, porém, o sentido do liberalismo em política. Os liberais defendem as liberdades individuais e a preservação das instituições jurídicas e políticas que as protegem. Este sentido de preservação pode aproximá-los dos conservadores, principalmente em momentos de perigo. Levados pela desinformação, alguns pensam que os liberais defendem as desigualdades e se esquivam das responsabilidades sociais, esquecidos, se é que um dia souberam, que Milton Friedman (1912 – 2006), pensador liberal, teve a iniciativa de propor o imposto de renda negativo, um pagamento a quem estivese abaixo de uma certa renda, no valor necessário para alcançar o limite estipulado. A defesa da liberdade limitada ao campo econômico não é liberalismo, mas liberismo.

Conservadores entendem que o homem não pertence a ele mesmo, mas a família, igreja e pátria, conforme Robert Alexander Nisbet (1913 – 1996), na obra O conservadorismo. Assemelham-se aos revolucionários, de quem supostamente seriam antípodas, na medida em que estes concebem o homem como pertencendo a classe social, partido ou movimento social, diluído no coletivismo. O conflito entre os semelhantes é mais acirrado do que entre os mais diferentes. Identidades distintas não inviabilizam a cooperação. Aliança se faz com o outro. Conservadores não são contrários à inovação e à igualdade. Diferenciam-se dos revolucionários não entendendo que o motor da história seja o conflito.

A cooperação liberal-conservadora é ameaçada pela desinformação, suspeitas e disputas, mas é indispensável ao enfrentamento de forças hegemônicas.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.