Um expresso devir de se expressar – Sérgio Costa

Seria pretensão demais afirmar que, só por tocar um instrumento ou fazer alguns shows de vez em nunca, eu tenha qualquer pretensão de ser famoso. Ou sequer me chamar de “artista”. Acredito bastante que o aspecto de demonstrar alguma habilidade ou obra cultural não necessariamente desperta o elemento chamado “fama”. E só dizer que toco guitarra vez em quando também não me define como tal. Sim, tenho convicção de que não mereço tal título. E se engana quem se pareça comigo e possa se achar merecedor também.

 

Explico. Ser artista, pressuponho, exige muito mais que isso. Além das técnicas necessárias para encantar em cima de um palco, é preciso dedicação full time. É posicionamento próprio, suor, sangue e lágrimas. E mais suor ainda e voz, pra poder ser ouvido. E pulso, cara de pau e muita articulação pra chegar nos lugares certos. Alcançar o tal “sucesso” que quase sempre se associa ao chamado artístico, porém, não implica aparecer na TV ou ser conhecido e assediado em todo canto. Dia desses um amigo que é músico profissional me contava justamente uma história sobre isso. Seu filho, ao assistir um show com ele na televisão, o indagou: “Pai, você nunca pensou em fazer sucesso?”. Ele, tão vivido e consciente do que faz, respondeu: “Filho, isso é sucesso pra você? Aparecer na TV? Sabe o que é sucesso pra mim? É pagar nossas contas em dia. Pagar sua escola todo mês. É ter gente me chamando pra trabalhar toda semana, e lembrando de mim quando precisam gravar um disco ou fazer um show no sábado à noite. Sucesso, pra mim, é a gente ter uma casa e comida com o suor do meu trabalho. É ser lembrado como bom músico e profissional, sem precisar ser famoso nos meios de comunicação ou assediado na rua.”

 

Lembrando dessa história, me vem à mente o tempo em que tomava aulas de guitarra na adolescência. Certa vez, conversando com um dos professores do curso, ele disse algo que hoje entendo bastante: “Eu não sou músico, sou professor de música.” Compreendo que há, sim, uma diferença grande entre o viver a musicalidade e transmitir/ensinar a musicalidade – ou qualquer outra arte/ofício, na verdade. Por exercê-la, você está disposto a se expressar em público, comunicá-la (como a mensagem que é), se arriscar aos aplausos ou tomates voadores, praticar o corajosamente belo ato de subir num palco ou transmitir-se para audiências radio-televisivas-virtuais. E nem todo mundo consegue desenvolver isso de forma plena. Exige esforço físico, estudo, técnica, modos de se mostrar, feeling, coragem, linguagem corporal e muito, muito carisma. Já para transmitir/ensinar, você precisa da vocação pedagógica. Você se dispõe tão somente a repassar o conhecimento da melhor forma possível para quem se dispõe a aprender. 

 

O que me move bastante a continuar ou insistir em algo artístico é a inspiração dos ídolos de outrora que ainda hoje estão na ativa. Já tive a oportunidade de ver por mais de uma vez grandes artistas que hoje já são coroas e continuam a dar o gás no que fazem. Assistir um David Coverdale ainda cantando até os ossos com o Whitesnake, ou um Klaus Meine dando o sangue nos Scorpions e mesmo um Bruce Dickinson no auge da forma vocal e física no Iron Maiden (depois, inclusive, de ter vencido um câncer na língua) é de tirar o chapéu. E esses caras, mesmo algumas vezes já cansados, merecem o nosso respeito. Tenho certeza de que quando estão em cima do palco fazendo o que amam, ainda se sentem meninos, crianças livres e felizes, cheias de energia e doidos pra viver o melhor dessa paixão que a vida lhes deu, até quando for possível. Que esses caras vivam muito, muito tempo ainda nos brindando com sua arte. O Freddie Mercury já dizia que the show must go on. E o Gil também continua a subir neste palco, com a alma cheirando a talco, como bumbum de bebê – e alma de bebê. 

 

Mas muitas vezes entro numa deprê leve quando me pego pensando que, aqui no Ceará, as pessoas não dão muito valor à arte. Na capital, principalmente, tão cheia de asfalto, cimento e cinza, carros e pessoas assustadas. Temos museus, mas que não vivem lotados como um MASP, por exemplo. Temos galerias de arte, frequentadas talvez só pelos que a produzem, não pela maioria do público em geral. No mais, uma triste visão de ruas vazias pelo medo e shoppings lotados pelo ar-condicionado e outras facilidades de entretenimento. Mas o Ceará tem gente de arte sim! Em todos os tempos, eras e gêneros de arte: de Chico Anysio e Belchior até Selvagens À Procura de Lei e Lidia Maria. Tem gente que pena, sofre e sua pra entregar suas ideias. Tem artista que dá o que nem tem pela paixão do que se faz e esperança de ser ouvido, muitas vezes também na margem da triste espera por editais e incentivos de governos que não sabe (e talvez nunca souberam e provavelmente nunca saberão) a importância de fomentar e capitalizar a arte, a economia criativa. 

 

Recentemente, após abrir minha própria empresa, comecei a dar palestras em faculdades. Percebi que existe, aí, um misto de encantar a audiência ao mesmo tempo que se transmite conhecimento. Talvez seja uma rara oportunidade para exercitar um pouco – mas só um pouquinho mesmo! – dos dois ofícios citados anteriormente: fazer um “show” e também ensinar. Sim, porque há no ato de palestrar certas nuances da fala, do gestual e da própria apresentação que fazem um composto imagético para entregar o conteúdo da melhor e mais marcante forma possível. Neste processo, entram coisas como o próprio modelo aristotélico de discurso, também a tal técnica de storytelling, o pitch da voz (para que a fala não se torne monótona) e outras técnicas mais. Então, é bem mais do que colocar tópicos e textos cansativos nos slides. 

 

É também por isso que acredito ser fundamental desenvolvermos a arte em nós. Por mais que você não acredite nela, expresse-se! Exerça sua pulsão de se expressar. Quando era criança, gostava de desenhar e achava que ia levar isso para o resto da vida. Abandonei as tintas, lápis e nanquins tão logo descobri a música. Depois, vieram as letras: por um tempo, escrevi muitos poemas e inclusive ainda tenho uma quantidade arquivada pra quem sabe um dia publicar. O trabalho de crônicas, desenvolvi com gosto (e certa incredulidade inicial) nesta coletânea e no portal Segunda Opinião. Minhas guitarras em casa, vez em quando as frequento! Mas por ser a música a arte que mais aprecio, venero e direciono meu amor, não me sinto ainda bom ou pronto o suficiente para me aventurar em composições próprias. 

 

Mas, artista? Não, pelo menos não agora. Simplesmente tento ser um ser expressor. E você, leitor(a), se achar que tem alguma habilidade artística também deveria, pois a vida é muito curta e não vale a pena esperar as cortinas se fecharem pra deixar algum tipo de legado cultural na vida de alguém. Ou de muitos “alguéns”. 

 

Expresse sua arte, qualquer que seja ela. Mova-se, misture-se e permita-se libertar suas mensagens. O sentido maior da arte é comunicar, sensibilizar, fazer pensar, nem que seja também incomodando e chutando a porta da alma, batendo forte na consciência e no imaginário. Cultura sensibiliza para a vida, para o trabalho e faz bem para a alma. Inspire-se: é expresso o devir de se expressar!

 

 

Deixo meu eterno agradecimento e lembrança aos amigos e colegas de bandas (“artistas” ou não) das quais já fiz parte e com quem já pude dividir a oportunidade, em algum momento, de fazer arte (ou de tentar fazê-la!): meu bom, sábio e inspirador amigo Carlinhos Perdigão, Chico Saga, Daniel Garcia, Eduardo “Dudas” Melo, George “Jovem” Rolim, Marcelo Holanda, Márcio Holanda (“Primo!”), Marcos “Marqueenhos” Queiroz, Mauro Tito, Nathalia Forte, Onni Matos, Richardson Chaves, Roberto Cysne, Roberta Porto, Toni Opus, Yuri Cruz, Victor Celso e muitos outros!

Sérgio Costa

Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.

Mais do autor - Facebook

Sérgio Costa

Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.