Trans-Siberian Orchestra: um bom motivo para não ouvir Simone no Natal

Então, é dezembro. Vem com ele o tal “espírito natalino”. As pessoas se tornam um pouco mais gentis (algo que até me espanta, pois sou um cara meio cismado que não espera muito da educação alheia) e todas as luzes na cidade despertam um clima bucólico, junto àquela pontinha de esperança em nossos corações. Famílias se reunem, amigos se confraternizam e tudo se torna, pelo menos por alguns dias, mais harmônico. Sem falar no comércio, que aquece com as vendas e traz o outro lado da moeda: pessoas muitas vezes ensandecidas para comprar, consumir, ter, vão ferindo o direito alheio e parecem esquecer todo o clima de afeto que descrevi acima e voltam a ser brutas, ignorantes e mal-educadas em filas e lojas abarrotadas.

Calma, porque ainda piora um pouco (estou pessimista hoje?). Isso porque o comércio também traz um outro “lado negro”. Do ponto de vista do meu “espírito zoeiro” (que não dispensa nem o natalino), esse segundo detalhe é talvez tão cruel – sarcasticamente falando – quanto a má educação das pessoas. Assim, não poderia deixar de comentar uma tradição muito cretina do nosso comércio em algumas lojas justo nesta época: tocar em alto em bom som a tal música “Então É Natal”. Não vou nem me dar o trabalho de reproduzir sua letra aqui pois ela já é mais manjada que o jingle daquela sapataria que nos brinda há décadas durante o Dia das Crianças. Nada contra a cantora Simone – que certamente é uma das grandes vozes da nossa MPB -, mas o fato é que ninguém mais aguenta essa canção. Comerciantes que ainda fazem isso deveriam se tocar: em tempos de crise, não se deve arriscar espantar clientela – muito menos quando os clientes andam bem mal-humorados. Enfim, tem quem goste, mas “não sou nem obrigado”, como dizem por aí!

Porém, vamos dar um up nesse papo de hoje! E como bom indicador de canções e artistas para vocês, é meu dever moral afastá-los de toda e qualquer melodia que possa tornar seu Natal depressivo, clichê ou sem criatividade. Por isso, no texto de hoje vou falar sobre uma trilha sonora um pouco diferente do habitual, mas que incorpora de forma bem ousada e criativa a cultura natalina. Pra começar, vamos falar do personagem que iniciou este projeto: o músico Paul O’Neill.

Conhecido por ter produzido grandes bandas como Aerosmith e Scorpions, O’Neill teve a sacada de trazer canções natalinas para o universo do rock. Assim, em 1996, chamou seu amigo Jon Oliva (conhecido vocalista da banda Savatage) e mais um enorme elenco de cantores e instrumentistas para formar a Trans-Siberian Orchestra, um projeto diferente, que une o tradicional ao moderno numa roupagem musical bem interessante de se conferir.

  Paul O’Neill, o mentor da TSO

Paul O’Neill, o mentor da TSO

O nome foi escolhido tendo como inspiração justamente a Ferrovia Transiberiana. Segundo seus fundadores, a ferrovia conecta culturas diferentes e distantes, assim como a linguagem musical varia de acordo com a sociedade. E esta é uma metáfora pra lá de bonita, visto o quanto nosso mundo é vasto e às vezes carece de uma linguagem ou expressão que amarre as diferenças de todos num só contemplar da beleza artística. Uma que aproxime os sentimentos de esperança, paz e igualdade nem que seja por uns dias. E a ideia de O’Neill funcionaria muito bem assim, apesar de não ter sido muito bem aceita em seu início (lá por volta de 1996): a indústria fonográfica norte americana não via com bons olhos essa de misturar música natalina com ópera rock. Porém, após a estreia do projeto, O’Neill começou a perceber que a proposta fazia sucesso tanto entre adultos quanto jovens. E tocou o barco pra frente – ou melhor, o trem.

Para a surpresa (ou não) da indústria à época, o álbum de estreia, “Christmas Eve and Other Stories”, tornou-se um dos mais vendidos em seu lançamento, no mesmo ano de 1996. O estilo pungente da ópera rock virou uma novidade muito bem acertada, incorporando o vocabulário sonoro pesado à tradicão erudita com elementos operísticos – incluindo corais, banda com bateria, percussão, violinos, guitarras e teclados. O destaque do disco vai para a faixa que se tornou meio que um hino do projeto, a canção “Christmas Eve/ Sarajevo 12/24”. O videoclipe desta canção também dá um show: com uma micro-história, a garotinha protagonista encarna uma menininha às vesperas de Natal que abre um baú e embarca num bonito mundo da imaginação. Ela interage com a orquestra, que toca do lado de fora de seu quarto no meio da neve, executando um tema musical forte e imponente. Numa das partes mais inspiradas, ela se vê diante de um telão gigante que exibe todos os acontecimentos mais importantes do século XX – incluindo guerras e revoluções – como um irônico comentário às coisas que jamais mudam em nosso planeta, mesmo num período onde se deveria haver paz e harmonia entre as nações. Assista ao clipe neste link: https://www.youtube.com/watch?v=MHioIlbnS_A. O álbum é o primeiro da chamada “Trilogia de Natal”, que se completaria com os seguintes “The Christmas Attic” (1998) e “The Lost Christmas Eve” (2004).

TSO ao vivo

Nos anos seguintes, aconteceram algumas pausas no projeto, mas o grupo continuou a lançar álbuns temáticos e que incorporavam mais elementos de ópera. Um outro destaque fica para o disco “Beethoven’s Last Night” (2000), que apresenta uma audição muito interessante. A história do disco narra a última noite de vida do compositor alemão. A surpresa chega logo na primeira canção “Overture” que faz citações de temas conhecidos do compositor, como “Moonlight Sonata” e até mesmo a famosa Quinta Sinfonia. A estrutura do restante do disco parece muito com uma ópera, com personages e suas falas cantadas (impossível não lembrar de clássicos como O Fantasma da Ópera) encenando os dramas, loucuras, a surdez e a redenção dos últimos momentos de Beethoven, além de muitas passagens facilmente reconhecíveis de melodias natalinas.

Uma curiosidade é a rotatividade dos membros na formação da TSO, fazendo mais ou menos como o músico grego Yanni (do qual também sou muito fã e farei em breve um texto sobre ele) que sempre renova seu elenco de músicos. Entre alguns nomes famosos no rock a passar pela formação da TSO, estão o vocalista Jeff Scott Soto (ex-Yngwie Malmsteen e que teve breve passagem pelo Journey) além dos guitarristas Joel Hoekstra (hoje no Whitesnake) e Alex Skolnick (que também foi colega de Jon Oliva na banda Savatage). Outro fato curioso está em seus espetáculos ao vivo: devido ao uso de muita produção cenográfica (com luzes e pirotecnia), tudo tem que ser perfeitamente sincronizado com a música; assim, dizem que a configuração dos equipamentos chega a levar até 15 horas!

discografia da TSO

Enfim, fica aqui a minha sugestão para sua trilha sonora de Natal sair da mesmice e daquele clima sem graça que ninguém merece. Assim como na ceia (onde eu, por exemplo, não aguento mais rabanada e arroz com uva passa), é bom variar o cardápio de ano em ano! Seja ousado e proponha embalar seu Natal com a criatividade da Trans-Siberian Orchestra. Embarque nessa jornada musical com uma visão mais ampla das canções natalinas, agregando peso, maestria, talento e fantasia à audição. Você encontra a maioria dos álbuns no Youtube e no nosso amigo Spotify – que, aliás, é melhor que o Papai Noel, pois traz muitas surpresas musicais não só em dezembro.

Desejo um Feliz Natal a todos que acompanham esta humilde coluna. E aproveito para deixar um muito obrigado a quem ajuda a fazê-la cada vez maior, seja com seus comentários, críticas ou sugestões, pois é um trabalho que faço com muito carinho e amor por esta arte que emociona tanto. Ah, e um Feliz Natal pra Simone também – sem ressentimentos.

Até a próxima e boa audição!

*Agradecimento especial à minha prima Julia Bueno, que mora nos EUA atualmente e me inspirou a fazer este texto quando disse (pra fazer inveja também) que havia assistido recentemente a um show da Trans-Siberian Orchestra. Valeu, prima, mas na próxima mande minha passagem e o ingresso! :)

Fontes:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Trans-Siberian_Orchestra

http://www.trans-siberian.com/

Sérgio Costa

Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.

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Bacharel em Ciências Sociais pela UFC e em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) pela Fanor/DeVry. Publicitário por profissão, empresário por coragem e guitarrista por atrevimento. Apaixonado incurável por música, literatura, boas cervejas, boas conversas, viagens inesquecíveis e grandes ideias. Escreve quinzenalmente sobre música para a coluna Notas Promissoras do portal Segunda Opinião.