Um só Deus, um só Pastor, um só Regente. Eis a tríade do monoteísmo religioso conservador. Pastor e Regente concebidos como legítimos representantes e intérpretes da vontade do único Deus sobre os fiéis. O monoteísmo religioso configura-se como uma eficaz ferramenta da política conservadora que ensina à população a respeitar e a obedecer as regras temporais, assumindo tanto o procedimento coercitivo da disciplina e hierarquia militar, quanto o caráter persuasivo dos condicionamentos pedagógicos cívicos para a produção de pensamento único. O organismo político, ao utilizar-se da religião como forma de dominação popular, torna-se capaz de levar o povo a temer a desobediência do Estado como se fosse uma ofensa a Deus, porque a religião fundamenta-se essencialmente no temor de Deus. Assim minunciosamente observou Nicolau Maquiavel em seus estudos políticos à época do pontificado do Papa Alexandre VI, pai de vários filhos, entre eles César Bórgia, inspirador do clássico “O Príncipe”.
Apesar de as insurreições burguesas ocidentais do século XVIII haverem produzido uma revolução copernicana na concepção e nos princípios da teoria política, seja pela separação das relações promíscuas entre Igreja e Estado, como pela definição da fonte do poder político democrático, localizando-o na soberania popular (Rousseau) e não mais na pessoa do monarca, fundamentalistas e conservadores religiosos do tempo presente demonstram abertamente uma tara pelo retorno ao poder de um-só-absoluto. Entendendo-se como tara uma perturbação compulsiva pela realização de um desejo fixo, para estes, o monarca com o seu staff deve ser obedecido piamente, não podendo ser contrariado em suas decisões, devendo ser seguido com todo rigor. Colocando-se como verdadeiros juízes estabelecidos por Deus, veem-se na condição de julgar e condenar quem não anda de acordo com o que entendem ser a vontade do senhor todo poderoso. Suas visões de mundo trazem o sentimento de certeza sobre o certo e o errado, com o fetiche gozoso compulsivo de punição de todos os errantes. Assim, não é difícil perceber porque pessoas e movimentos religiosos com esse caráter conservador apoiem regimes totalitários. Esses fiéis e movimentos religiosos têm a tara por alguém que lhes ordene o que fazer e que defina pautas rigorosas de vida para toda a sociedade.
Um exemplo curioso recente encontra-se na manifestação do ex-secretário nacional de cultura, Roberto Alvim, no dia 17 passado, quando evidenciou a ótica do governo dos três fundamentos da nova arte brasileira sob o comando do bolsonarismo: *heroísmo, nacionalismo e imperativo cognitivo*. Alvim alicerçou seu pensamento nas ideias do propagandista do nazismo alemão, Joseph Goebbels. Exonerado, após forte pressão da comunidade judaica, reagiu da seguinte forma à sua demissão: “ *Estou orando sem parar*. Começo a desconfiar que se tratou não de uma ação humana, mas de uma *ação satânica* em toda essa história”.
Já no outro campo do Poder, o procurador da República Wellington Divino denunciou, com acusações sem provas, na manhã do dia 21, o jornalista Glenn Greenwald, sem este estar sendo investigado ou submetido a nenhum processo judicial, por seu valioso trabalho jornalístico de profundo interesse público ao divulgar conteúdos que denunciam possíveis atos ilícitos dos operadores da chamada operação Lava Jato, sob o comando de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. Segundo diversos juristas, a denúncia contra Greenwald é “juridicamente inepta e configura uma explícita perseguição política praticada por setores de uma poderosa corporação estatal que se volta contra o trabalho legítimo e legal de exercício da liberdade de uma imprensa democrática”.
Como se sabe, o sucesso nos corações e mentes brasileiros do lavajatismo se deu em virtude de seu braço midiático representado pela Rede Globo. Desde o primeiro instante atuou como estrutura operativa dessa ação por meio da ampla divulgação intensiva com o objetivo de formar os espíritos humanos para uma adesão automática à Lava Jato, construindo nesse imaginário as figuras de Moro e Dallagnol como sendo santos incorruptíveis. Posteriormente se constatou, por meio do trabalho jornalístico de Glenn Greenwald, que a Globo adotou a cartilha goebbelsniana de repetir indefinidamente notícias sem a devida comprovação até que elas fossem percebidas como verdades substantivas inquestionáveis pela opinião pública. O poder nefasto de tal articulação midiática pode ser mensurado pela recente pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em parceria com o Instituto MDA que revela que mais da metade da população acredita piamente naquilo que noticiam os três grandes canais de mídia: Rede Globo, Record e SBT. Isso sem contar com a enorme força persuasiva de padres e pastores com suas pregações em seus rituais religiosos semanais. Além da estratégia da comunicação direta com seu eleitorado inaugurada pelo bolsonarismo desde os tempos de campanha.
Como se demonstrou, este movimento conservador não é algo pontual. As forças democráticas ainda não perceberam que os sintomas de uma espécie de “refeudalização da esfera pública” estão a explicitar um movimento histórico regressivo: absorvidas pelos seus problemas cotidianos e amedrontadas, as pessoas escondem-se nas suas vidas privadas: alheias às ameaças aos direitos individuais e sociais e escondidas na vida cada vez mais difícil. É preciso ir à busca dessas vidas silenciadas e estabelecer com elas um amplo diálogo amoroso pedagógico mirando à libertação dessa tara conservadora. É uma tarefa histórica.