O agravamento da crise política vivida nos últimos anos no Brasil aprofundou um cenário de acirramento e polarizações. As pessoas defendem suas opiniões de uma forma passional e se fecham a qualquer tipo de diálogo. Em muitos casos, buscam desmoralizar quem pensa diferente, gerando assim um clima de tensão e de negação do outro. As redes sociais reverberam esse movimento. Militantes virtuais difundem visões somente com quem possui algum tipo de concordância com seus ideais, estabelecendo uma confortável, porém estéril, zona de segurança. Várias correntes do que se convencionou chamar de esquerda e de direita padecem dessa radicalização antidemocrática.
Podemos dizer ser um fenômeno estrutural que se torna mais visível em períodos de crise. Para além do espaço privado, raramente se discute cidadania democrática nas escolas, empresas e comunidade. A crítica é percebida como uma afronta pessoal e, por isso, combatida com todas as armas. Os partidos políticos, que deveriam participar pedagogicamente do processo, incentivam esse tipo de cegueira. Quando os líderes partidários perseguem o poder a todo custo, inviabilizam qualquer traço de empatia. Entretanto, aproximar-se de quem pensa de forma semelhante não é o objetivo da democracia; serve apenas para aprofundar os próprios valores e vícios.
O arranjo democrático, apesar de imperfeito, foi pensado e construído ao longo de séculos para permitir que os conflitos estivessem presentes na esfera pública. Muitas guerras e revoluções pavimentaram essa trajetória. Grandes pensadores da teoria democrática (Alain Touraine, Norberto Bobbio e Robert Dahl) defenderam a constituição de mecanismos institucionais e societários que equacionassem conflitos na esfera pública, impedindo movimentos autoritários e hegemônicos. Contudo, não basta construir canais de participação, se as pessoas não demonstrarem alguma disposição para o conflito de ideias e permanecerem desconhecendo a pluralidade de interesses e trajetórias que marca a nossa modernidade.
As divergências devem ser expostas e dialogadas. O consenso é sempre parcial e tênue. Podemos aprender com a opinião do outro. No máximo, respeitar seu direito de pensar diferente. Não existe tema tabu. Política, religião e futebol devem entrar nessa pauta. É um processo árduo, mas necessário à vida política. À medida que, por exemplo, excluo da minha rede social indivíduos com posicionamentos diferentes, confirmo a tese de que estamos num mundo cada vez mais intolerante. Obviamente a discussão só é possível entre aqueles que respeitam os valores básicos do ser humano, a pauta dos direitos humanos e as minorias. Ofensas, humilhações e constrangimentos contra qualquer grupo já não constituem diálogo, afastando-nos radicalmente do ideal democrático. Lembremos: sufocar o dissenso sempre foi o lema dos governos ditatoriais!
Francisco Luciano Gonçalves Moreira
Lido e relido.
Que estreia!!!