SER RADICAL É TOMAR AS COISAS PELA RAIZ. MAS, PARA O HOMEM, A RAIZ É O PRÓPRIO HOMEM

“ser radical é tomar as coisas pela raiz. Mas, para o homem, a raiz é o próprio homem”.

Karl Marx

O fetichismo da mercadoria tem seus encantos, e é por isso que a idolatria ao dinheiro, a mercadoria das mercadorias, a única que não tem valor de uso, mas tem capacidade de comprar todos as outras que servem como bens de consumo, é o combustível ilusionista que se alastra tal qual os incêndios criminosos na maior seca de que se tem notícia nas regiões norte, centro-oeste e parte do sudeste do Brasil.  

Sílvio Santos vendia ilusão e ficava bilionário com o fetiche do “Baú da Felicidade” que induzia mães de famílias incautas (e não só) a gastarem o pouco dinheiro que tinham a investir na compra de mercadorias (caras e de baixa qualidade) nas lojas franqueadas pelo apresentador após anos de inflação severa e sem correção dos seus valores após determinado período, e tudo em troca de um sorteio de dinheiro que nunca ou raramente ganhavam.

 Programas do tipo “topa tudo por dinheiro”, do mesmo Sílvio Santos, mostra bem o nível da TV mercantilista que vigora na sociedade capitalista.

O “Domingão com Huck” segue na mesma trilha e faz doação de R$ 1 milhão para uma família escolhida aleatoriamente criando em todos os telespectadores a esperança de que a qualquer hora o esperto apresentador pode bater à sua porta com as mãos cheias de dinheiro.

Há similaridade disso com o fetiche da política partidária e eleitoral que é, também, estrada atraente para a infiltração na política do crime organizado e dos espertalhões políticos dos mais variados matizes ideológicos ou sem ideologia nenhuma, atraídos que são pelo dinheiro do Estado, o famoso “dinheiro da viúva” com corresponde corrupção.

Além da cobiça ao dinheiro dito público, o fetiche se insere no poder da caneta, prestígio e privilégios como autoridade, imunidades, pompas das solenidades, salas VIPs dos aeroportos, possibilidade de nepotismo, posar demagogicamente como benfeitor social, etc., etc., etc. Querem ser servidos (com raras exceções) ao invés de servirem à causa pública.

Assim, a crítica do valor marxiana elimina tais fetiches pela raiz, mas é uma estrada íngreme a ser galgada numa sociedade aculturada sob a ilusão do fetichismo da mercadoria que inverte valores humanos e positiva totens de pedras voltados para a negatividade social como se fossem conceitos virtuosos (fetichismo é expressão usada por Karl Marx como metáfora da adoração aos totens de pedras feitos pelos aborígenes australianos, que depois sacrificavam vidas humanas em oferendas a esses mesmos totens por eles fabricados e aos quais passavam a atribuir poderes divinais).  

As pedras da ladeira íngreme da crítica do valor representam as dificuldades em se tentar subi-la constantemente, apesar do cansaço, para que se alcance os cimos luminosos de uma sociedade desfetichizada e justa, e são árduas justamente porque não atrai os oportunistas bajuladores ávidos pelas benesses fáceis do poder político;  

– porque exclui desde cedo os manipuladores burocratas dos partidos políticos que somente veem as somas dos filiados que lhes garantam o exercício pretensamente democrático do controle partidário a escolha dos seus candidatos, e com capacidade de expulsão dos que contrariem as suas vontades;  

– porque elimina o sempre pernicioso culto à personalidade e aos “caras” salvadores da pátria, na medida em que a organização de base, horizontalizada, transforma o mais humilde membro da comunidade em pessoa capaz de provocar uma discussão séria sobre tema de interesse coletivo e de forma paritária;

– porque desvanece o sonho de riqueza individual em meio à pobreza coletiva que escraviza os que não têm acesso à ela;  

– porque combate o sonho megalomaníaco de personalidades como Josef Stalin, Adolf Hitler, Elon Musk, Donald Trump, Vladimir Putin, Idi Amin Dada, Mohammad bin Salman, Pol Pot, François Duvalier, Alfredo Stroessner, Augusto Pinochet, Nicolás Maduro, que aparecem ciclicamente desde Nero no Império Romano até os dias de hoje;    

– porque ao criticar o Estado, os impostos e o trabalho abstrato, principalmente, como fonte celular primária do edifício capitalista, a crítica radical questiona a super estrutura, apesar de se ver despossuída de dinheiro para esse combate mais abrangente numa sociedade na qual tudo gira em torno do dito cujo;  

– porque valoriza a virtude, a boa moral e a boa ética, em contraponto à meritocracia competitiva que torna os seres humanos, transformados em cidadãos contribuintes com impostos, em adversários uns dos outros, numa autofagia antissolidária, e assim, a proposta de irmandade social passa a parecer quimera de sonhadores fora da realidade;  

– porque combate o cômodo pragmatismo de uma lógica de relação social opressora que torna o injusto desculpável em nome de um objetivo qualquer a ser atingido (prática abjeta do fim justificando os meios);  

– porque  é intolerante com a conciliação, isolando-se por vezes, apesar de ter a virtude de tornar os demagogos identificáveis como se fossem portadores de detectores de mentiras por um odor repugnante que os denuncia de pronto, e assim, poucos são os que ficam para o bom combate;

– porque a grande mídia, formada por grandes e médias empresas de comunicação (televisão, rádio e jornais) não se interessam em divulgar o tema da crítica ao valor, seja por conta dos seus interesses capitalistas ideológicos, ou mesmo porque esse é um tema complexo que não vende notícia para uma população desinformada. A internet, apesar de ter comunicação aberta, é instrumento de leitura rápida e superficial melhor explorada pela superficialidade da direita e suas tradicionais fake News robotizada e paga;

– porque denuncia o caráter criminoso do capitalismo pela apropriação indébita do tempo-valor dos que produzem a riqueza com seu labor e, assim, desmascara a hipocrisia de uma relação social que o descriminaliza oficialmente;    

– porque os currículos escolares básicos positivam a relação social sob o dinheiro como um ganho da humanidade e o trabalho abstrato que a sustenta como fator de dignidade humana;  

E por aí vai…

O sentimento contrarrevolucionário sistêmico é a dificuldade central, básica, que tenta impedir a crítica do valor como informação conscientizadora, compreensível, assimilável e colocada socialmente em prática, embora pareça cada vez mais óbvio que o capitalismo é a fonte maior de corrupção da humanidade.  

O capitalismo detecta facilmente aquilo que lhe é oposição tolerável, contributiva para a imagem de afirmação de sua pseudodemocracia, daquilo que é verdadeiramente revolucionário. A crítica do valor é radical porque vai à raiz da essência e natureza das relações sociais, e a raiz do ser é o humano é o homem, como disse Marx.    

Sob o capital não se admitem proposições que firam os pressupostos da sustentabilidade do sistema produtor de mercadorias. As revoluções marxista-leninista passaram a ser aceitáveis na diplomacia de salão quando o sistema capitalista percebeu que nos países que adotaram tal forma política ali estavam presentes todas as categorias capitalistas, e sob a pior forma de capitalismo, empresas estatais praticando monopolismo de mercado estagnante e que isso iria descredenciar toda a doxa socialista.

Portanto, a crítica radical à forma valor e aos penduricalhos institucionais do capital, representam uma inconciliável convivência sistêmica justamente porque propõe a superação do fundamento essencial de sua existência: a dita cuja como referência unicamente possível de mediação social.

A crítica radical propõe a superação de tudo o que é sustentação existencial da relação social capitalista (o direito; o Estado vertical cobrador de impostos e suas instituições basilares – poderes executivo, legislativo e judiciário – a lhe servir dentro de sua lógica e funcionalidade; o trabalho abstrato e o trabalhador; os sindicatos atrelados à manutenção de relação capital/trabalho; a política e os partidos políticos; o sistema financeiro internacional; a mercadoria e o mercado, etc.).  

Representa a negação completa do que está posto e que vem sendo aperfeiçoado e adaptado milenarmente a favor da ordem capitalista que se tornou obsoleta pela dialética do movimento histórico expondo a contraditoriedade dos seus pressupostos e as vísceras de sua podridão intrínseca.    

Mas, paradoxalmente, diante de toda a contrarrevolução e a favor da luta da crítica radical à forma valor, além do conteúdo teórico lógico e humano que está a se formar entre intelectuais e setores acadêmicos, está justamente a vida empírica a bater na porta conservadora pedindo passagem tal qual o samba enredo que veio do morro para mostrar no asfalto das passarelas elegantes a glória de um povo que está disposto a superar o seu cativeiro milenar.  

Como dizem os gaúchos: não tá morto quem peleia, chê!

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;

1 comentário

  1. Camilo Henrique Cavalcante França

    O texto de Dalton Rosado, Ser radical é tomar as coisas pela raiz, é robusto, bem articulado, agregador. Me encheu a alma porque fortaleceu uma leitura de mundo que se solidifica, em mim, uma nova leitura da política e do sistema de produção baseado na forma valor