Crise do Estado resulta de uma dívida inventada na era FHC
por J. Carlos de Assis
A crise de degeneração financeira e social do Estado do Rio de Janeiro é a mais genuína expressão da incompetência, do descaso com o interesse público, da extrema manipulação das contas públicas mediante um conluio conceitualmente fraudulento entre autoridades federais e estaduais, ao longo de décadas. Na essência, é consequência quase exclusiva da agiotagem sobre passivo inexistente imposta ao Estado desde o governo Fernando Henrique pelas autoridades da União no afã de fazer superávit primário a custa dos Estados.
Temos um estado de calamidade pública, com assassinatos diários de cidadãos e policiais, suspensão de pagamentos de funcionários, retraimento da polícia e entrega da cidade ao banditismo generalizado. Chegamos ao impensável: a capitulação das forças de segurança às quadrilhas de assaltantes. Nenhum de nós está imune ao risco de uma morte violenta. Jamais vivemos uma situação similar, que estranhamente ganha ares de normalidade em nossa vida diária, apenas perturbada pelo noticiário de crimes na televisão.
Uma faixa exibida por policiais no Galeão, porta de entrada na cidade às vésperas das Olimpíadas, tem a eloquência de uma ironia macabra: “benvindo ao inferno”, escrito em inglês. O mais dramático é que a esmagadora maioria da população não tem a menor ideia sobre o que deve explicar a crise. Uma imprensa factual idiota, se não comprometida, se atém a fatos sem oferecer qualquer explicação à sociedade a respeito. É uma imprensa que só vê polícia e cadáver, não a verdadeira natureza do fracasso das finanças públicas.
O problema do Estado do Rio, assim como o de outros Estados, é a dívida pública que lhes foi imposta pelo Governo FHC e acumulada desde então com juros extorsivos. É claro que o fator Moro, destruindo grande parte dos investimentos da Petrobrás, agravou a situação. Entretanto, o Estado absorveria o tranco da crise na Petrobrás se não fosse a necessidade de pagar uma dívida pública que simplesmente não deveria existir. Os funcionários estaduais, mal orientados pela imprensa, atacam na frente errada: o inimigo não é o Governo estadual, que não tem de onde tirar dinheiro, mas o federal, que pode emitir dinheiro e títulos sem gerar inflação, tendo em vista a situação de contração geral da economia.
Vou insistir numa explicação que já dei aqui, mas foi ignorada, como tudo que não interessa ao sistema financeiro e aos neoliberais incrustrados no Ministério da Fazenda. Conferi o tema com Maria Lúcia Fatorelli, a mais competente especialista sobre dívida pública no Brasil, e concordamos plenamente com o raciocínio a seguir. A origem da maior parte da dívida dos Estados junto ao Governo federal remonta à privatização dos bancos estaduais no governo FHC para atender aos ditames do Fundo Monetário Internacional.
A operação resultou numa expropriação dos governos estaduais. É que, para privatizar os bancos, o governo federal comprou por valor de face a dívida dos estados que estavam sendo roladas pelos bancos privados. Ao fazer isso, pagou essa dívida aos bancos privados com dinheiro público (ou títulos), portanto com recursos de todos os cidadãos. Em consequência, não poderia, conceitualmente, cobrar a dívida novamente dos Estados. Já estava paga pelos cidadãos, que são simultaneamente federais e estaduais. A dívida financiada pelo cidadão federal é a mesma injustificadamente cobrada do cidadão estadual.
A quebra dos Estados, portanto, é uma consequência direta do pagamento de uma dívida inexistente ao governo federal, e da pusilanimidade das autoridades estaduais que aceitaram essa infâmia contra seus cidadãos. Os funcionários estaduais da saúde, da educação, da polícia e dos demais setores erram no seu foco de mobilização. O governo estadual, quebrado, não tem onde buscar dinheiro. Só o governo federal pode fazê-lo. Basta emitir um volume adequado de títulos públicos, como disse, para ressarcir os Estados dos prejuízos que lhe foram impostos desde 1997, quando houve o infame “acordo” da dívida com o governo neoliberal de FHC. Com essa mágica, os problemas das finanças estaduais seriam eliminados.
J. Carlos de Assis – Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ.
Luis Eduardo Barros
Quer dizer que o aumento dos gastos devido os royalties do petróleo não aconteceu ? Se a dívida do estado não existia, os estados que não tinham Banco deveriam ter sido compensados?