Os partidos políticos estão em franca decadência. Ainda não temos clareza do que poderá complementar as deficiências das agremiações citadas ou substitui-las. A despeito de toda regulamentação do processo eleitoral, a influência do poder econômico; as técnicas de comunicação usadas pelos grandes escritórios de publicidade e propaganda; o engajamento da imprensa, manipulando a informação pela seletividade tendenciosa do destaque, do enfoque, da repetição e da interpretação; a complexidade do mundo contemporâneo que ofusca a compreensão do eleitor mediano e até dos letrados mais sofisticados; o crescente e refinado poder de corporações, organizações de empresariais e facções criminosas; o aparelhamento das universidades e da sociedade civil em geral; o papel das redes sociais, que ainda não foi compreendido em toda a sua inteireza; o fortalecimento contraditório do cosmopolitismo e do nacionalismo, tudo isso trouxe um acúmulo crescente de vícios e desafios à representação política.
As imperfeições crescentes da representação deram ânimo à retomada do debate sobre participação direta dos cidadãos nos negócios da res publica. Alguns dos problemas do sistema representativo, todavia, se repetem na participação direta. Os partidos políticos representativos fazem falta em ambos os caminhos. O poder econômico não será neutralizado pela participação direta. As técnicas de comunicação podem ser ainda mais efetivas na manipulação política confinada aos espaços de participação, como têm sido. A influência da imprensa aparelhada é a mesma. A complexidade dos problemas foge à compreensão dos cidadãos, tanto no sistema representativo, como na via da participação. O poder das corporações, das organizações empresarias, das facções criminosas e das redes sociais será o mesmo. A sociedade civil continuará aparelhada. Cosmopolitismo e nacionalismo não sofrerão o menor arranhão com o advento da participação direta.
A arregimentação de cidadãos domesticados em grupos de ação política, disciplinados ao modo militar, é a motivação dos grupos messiânicos das religiões seculares, que esperam exercer uma influência desproporcional à parcela do eleitorado constituída por eles. O apelo da solução final para todos os problemas relevantes pela superação de um conflito fundamental, ao lado de grandes promessas sedutoras, os enche de ânimos, malgrado o reiterado fracasso de suas experiências. Estimular a inveja como um sentimento nobre, sob a camuflagem da justiça; afastar as responsabilidades pessoais, atribuindo todas as frustrações da vida a um fator estrutural; confundir direitos potestativos com patrocínio, criando uma esperança de crédito sem obrigação realmente é um ópio que não embriaga apenas intelectuais. A participação pode ser o caminho da dominação via militância disciplinada, diferente daquele quadro descrito por Vladimir Ilich Ulanov, Lênin, (1870 – 1924), em “O Estado e a revolução”, substituído pela proposta apresentada em “O que fazer”, do mesmo autor.
O caminho a ser preservado pelos democratas cada vez mais depende das garantias constitucionais dadas às instituições e às pessoas. Não temos como superar inteiramente os problemas da representação e menos ainda os da participação direta. Então salvemos as garantias fundamentais, quaisquer que sejam as limitações da legitimidade democrática na nova realidade. Não afastem aquelas garantias que já estavam na Carta do Rei João Sem terra em 1215.