Reforma bancária: ideias para um debate – III – por Osvaldo Euclides

O sistema bancário privado brasileiro, com o auxílio luxuoso do Banco Central e a complacência de todos os presidentes da República e ministros da Fazenda, foi-se desenhando e se estruturando passo a passo, até chegar ao modelo de hoje. De positivo, há que se registrar que desde o Proer (um programa de recuperação dos bancos em dificuldades com dinheiro público nos anos 90) não acontece ameaça de crise sistêmica. Os analistas costumam dizer que os bancos brasileiros são sólidos, rentáveis e líquidos, mercê de uma administração competente e austera. Um susto aqui e ali não chega a negar isso. De negativo, o fato de que não financiam a atividade empresarial a custo, volume e em condições razoáveis.

O problema é que o sistema é centrado em si mesmo. Voltado exclusivamente ao lucro e a seus próprios interesses, alergicamente avesso a risco, não cumpre a sua missão básica: intermediar a poupança da nação, ou seja, captar de quem tem folgas e reservas e emprestar a quem empreende, produz, emprega e gera tributos. É comum ouvir de empresários que os bancos só emprestam a quem provar que não precisa, só o faz a custo alto e a prazos curtos e exige garantias com margem larga. Como chegamos a isso, é possível saber por alguns passos mais evidentes do passado recente.

No passado, as lideranças do setor começaram um processo de concentração: os bancos médios compravam os pequenos, os grandes compravam os médios, os nacionais absorviam os regionais, as cooperativas foram sufocadas. O número de bancos caiu, os regionais e as cooperativas praticamente desapareceram. A concentração chegou ao seu ponto máximo: não há exagero em dizer que quatro bancos apenas têm mais de três quartos dos ativos. A autoridade monetária e o poder político ora fingiram não ver, ora apoiaram, estimularam e financiaram este processo.

Em paralelo, o discurso das lideranças do setor pediam a regulamentação do ‘banco múltiplo’. Traduzindo: o banco comercial de cada grupo absorvia seu banco de investimento, sua corretora de valores, sua distribuidora, sua financeira e sua sociedade de crédito imobiliário. Essas instituições e suas equipes especializadas desapareciam e o banco (agora múltiplo) tudo pode fazer. Pessoas, processos e estruturas especializadas desapareceram, clientes, empresas e setores inteiros ficaram sem interlocução, sem atendimento personalizado, sem ter com quem dialogar. Tudo ficou na mão do “gerente” do banco (essa figura desapareceu também, logo em seguida).

Mais à frente, veio a automatização, que apontava para a redução gigantesca de custos com as agências e com as pessoas (os bancários e as bancárias que seriam massivamente demitidos). Claro, não se pode brigar com a realidade, não se deve evitar o avanço tecnológico, até porque em parte isso apontava para o benefício do cliente.

No fim dos anos 90, com o fim da inflação galopante, os bancos pediram e obtiveram autorização para cobrar tarifas de serviço aos seus clientes. O Banco Central autorizou com a garantia dos bancos de que as tarifas apenas cobririam parte dos custos com pessoal, a parcela mais relevante dos custos administrativos. É que o lucro do sistema poderia cair muito sem o benefício do “float” (a flutuação do valor da moeda), que diminuiu expressivamente com a inflação menor.

Tudo isso era apresentado à sociedade de um modo geral, e aos empresários, em particular, como promessa de um sistema mais ágil, de um atendimento melhor e mais completo, de custos significativamente reduzidos, de um relacionamento mais próximo banco-empresa ou banco-pessoas. O discurso era bom e convincente. O sistema bancário foi cem por cento atendido nas suas reivindicações e no seu plano estratégico.

Não cabe desfazer o que está feito, mas é preciso compreender o passado para propor e construir o futuro.

Infelizmente, temos hoje um sistema concentrado, impessoal, sem concorrência, arredio ao crédito, de custos altos tanto em juros quanto em tarifas, que não atende bem aos empreendedores, apesar de sólido e confiável.

Os empresários não contam também com um mercado de capitais (que o modelo de banco múltiplo ajudou a frear e a desestimular, alimentando apenas o mercado de crédito).

Sobram os bancos públicos. Mas isso é outra história.

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Uma resposta

  1. O diagnostico esta’ correto. Nosso problema e’ definir qual a solucao e como implementar. Minha sugestao e’ a pulverizacao do sistema com estimulo a bancos estaduais mais proximos aos clientes. Poderiam ser criados instrumentos incentivados como um equivalente ‘a letra de cambio para o mercado interno. Dessa forma o produtor benferia a vista e o sistema bancario financiaria os clientes.