Somos, nós brasileiros, conciliadores por formação — e por índole.
Nos momentos mais difíceis, nas pré-crises anunciadas, alguém lembra a possibilidade de uma reconciliação das divergências impertinentes. Pelos interesses superiores da Pátria, abrimo-nos à conciliação.
Somos patriotas, mesmo quando nos odiamos à morte. Quando forjamos informações falsas — fake — ou, quando, coagidos pelo autoritarismo, alguns menos providos de caráter denunciavam aos guardiães da ordem as criaturas aborrecidas que os desgostavam. Pois ainda assim, a correr riscos calculados, não fugíamos a uma proposta aliciadora de — conciliação.
Vemo-nos, agora, divididos, arreliados, dominados pelas ideologias que não nos convencem, cada um de nós convencido por uma fórmula salvadora que nos impõem e aceitamos, receosos de não sermos suficientemente modernos para integrarmos os grupos de resistência da inteligência operante.
Tudo menos sermos taxados de retrógrados, neoliberais, burguesões ou, vergonha maior — fascistas… Ou resistimos, a exemplo dos patriotas remidos, ou fazemos um gesto conciliador de paz.
Com 100 dias para o encontro anunciado e temido com a invenção brasileira do século — a urna eletrônica — a exaltação cívica e patriótica dos brasileiros alcançou assomos guerreiros.
A racionalidade, se existe em tempos de cólera e eleições, recolheu-se ao limbo das causas esquecidas.
A mídia fez-se parte interessada e participante: já não enxerga os fatos e a conjuntura. Constroi-os, dá-lhes a cor conveniente e os serve segundo as suas necessidades.
Sabe-se lá o que acontecerá neste lapso de tempo, a quanto subirão os ânimos e a retórica dos novos salvadores. Até onde poderá estender-se o tamanho da resistência anunciada pelos contendores?
Quem fala, de fato, pelas forças armadas, caladas em disciplinada prudência? O que pensam os militares, cidadãos como todos nós o somos, com direito a opinião, ainda que silenciada pela natureza da sua missão? Quem dá o tom verbal e a combatividade aos partidos e atapeta o caminho para parlamentares tomados de incontinência verbal usarem as tribunas dos plenários desatentos ?
Até onde pretendem chegar os intérpretes da lei, incrustados nos poderes ilimitados que lhes valem as togas e os tribunais para a árdua missão de interpretarem as omissões dos legisladores?
Um conflito anunciado: “Inevitável! — diriam alguns cidadãos aflitos com tanta algazarra ideológica, barulhento palavrório, porém vazio de intenções reais.
Na medida em que o conflito parece armar-se, surgem os primeiros sinais de conciliação por todos aguardados. Somos um povo contido por uma reconhecida inclinação pacífica. É da nossa índole, já saímos de crises sem as enfrentar. Vencemo-las sem lutas e riscos de vida. Adiamo-las, providencialmente.
Dom João VI convencera os seus ministros de que,nas artes do governo do Estado, as questões mais graves se resolvem “sponte sua”, espontaneamente. A interferência dos homens do poder sobre causas contingentes exacerba o contencioso das crises: os problemas de governo nas alçadas do Estado resolvem-se, como sabemos, por si mesmos. Estes ponderados ensinamentos parece terem feito escola entre os nossos estadistas…
Todas as crises políticas brasileiras resolveram-se espontaneamente: as mesmas causas que as determinam, extinguem-nas. Sem desgraças ou movimentos sediciosos de monta. O que foi um dia, deixou de sê-lo. Acordo bom dá-se quando as partes saem satisfeitas, atendidas no essencial das suas proposituras…
Crise, resolvemo-las todas — sem esforços desgastantes ou consequências duradouras. Crises, não as enfrentamos. Contornamo-las com habilidade para as enfrentarmos mais tarde.
Não há porque suspeitar que a velha terapêutica não funcione mais uma vez. Por que, afinal, não haveria de funcionar?
Teríamos mudado nós ou mudariam as crises?
Miracy Ferreira Lima
Hoje podemos escolher qual a crise que devemos temer indo desde a denuncia de assédio sexual a delação da parceria PT-PCC, temperadas com CPI’s para todos os gostos.