Quando a TV era a melhor amiga, por LUANA MONTEIRO.

Como alguém da geração “y”, considero difícil recordar com precisão quando a televisão começou a fazer parte da minha vida. Lembro com fascínio de uma TV “tubão” na casa do meu pai. Ela tinha dois botões bem grandes e protuberantes na lateral direita da tela, acho que enchiam a mão de uma criança, pareciam um pouco com os botões de máquinas de lavar.

Não sei o porquê, mas aquele objeto era fonte de muito interesse. A imagem que projetava era em preto e branco. Era grande, pelo menos assim eu a via. Acho que meu encantamento se dava pelo tal artefato já ser uma relíquia para a época. Devia ter vindo da casa dos meus avós.

Em outra caixinha de memórias, relembro de quando voltava da escola. Chegava em casa correndo, ávida para ver o restinho da programação infantil matinal. Os famosos “desenhos” de TV eram incontáveis e, mesmo sem acompanhar do início ou assistindo pela vigésima vez o mesmo episódio, ainda assim havia grande satisfação naqueles momentos.

O que mais me marcou na infância foi o canal 5, a TV Cultura. Fecho os olhos agora e parece que me teletransporto para o universo encantador dessas memórias de infância. Amava tudo daquele canal, parecia que a magia do “Castelo Rá-Tim-Bum” o permeava por inteiro. Eu não conseguia dissociar o seriado do resto da programação da emissora.

Adorava as músicas,  e sabia de cor. Esperava ansiosa pelos diversos programas e desenhos. Me recordo das contações de histórias regionais e das lendas do folclore brasileiro. Achava tudo aquilo lindo e, analisando hoje, vejo que absorvi muita coisa do modo de expressão divulgado pelo canal que era permeado pelo científico e o cultural.

Relembro  de um quadro que iniciava com a pergunta “De onde vem?” E logo em seguida uma menininha começava a explicar a origem e o porquê de um fato novo e curioso. Evoco a mim mesma, quando criança, fazendo diversas perguntas à minha mãe. Não existia internet na época, e nossas fontes de pesquisa eram os dicionários e as enciclopédias. Quando surgia uma dúvida que ninguém em casa sabia responder, logo recorríamos aos livros.

Os conteúdos exibidos naquela época, meados da década de 90, tinham um cunho explicativo, mesmo os programas estrangeiros que eram incrementados à produção nacional. O objetivo de fundo não era o puro entretenimento vazio de conteúdo. Diferentes questões sociais eram abordadas, sem falar que havia uma espécie de incentivo ao interesse pela nossa própria história enquanto brasileiros.

Com a forte influência gerada nos telespectadores, cada vez mais a publicidade foi tomando espaço. Muitas mudanças surgiram e a televisão, sem fazer distinção entre o público adulto e infantil, se tornou o maior meio de popularização de produtos e serviços através do marketing comercial.

Ao longo do dia e entre os programas iam surgindo cada vez mais comerciais. Eles faziam um papel de reguladores sociais dos meios adulto e infantojuvenil. Minha sensação, como criança, na época, era de que se tratava de um favor, de alguém bem-intencionado, informando que você estava se comportando em desarmonia com a maioria. Existiam produtos mais novos, mais bonitos e consequentemente mais legais que poderiam fazer parte da sua vida. Fazia-se imprescindível aceitar o que estava sendo prenunciado. No final das contas, na minha perspectiva inocente, era praticamente um aconselhamento que eu recebia. Eu só não tinha a capacidade de problematizar de onde estava vindo. Ainda hoje a publicidade exerce uma forte influência em mim.

Revisitando esse passado tão distante na minha memória parece até que em algum momento a TV de inocente tornou-se vilã. Não, não parto do princípio de que ela algum dia tenha tido um propósito ingênuo ou mesmo inofensivo, seu grande papel foi gerar influência e vender, e eu percebo as diversas repercussões disso quando examino o desenvolvimento dos conteúdos que fizeram parte da minha infância e adolescência.

Acredito que a primeiro momento consumi conteúdos que trouxeram bons valores, com a sorte do contato com alguns programas específicos. É evidente, no meu reexame, que a TV marcou minhas experiências por largo período. Ela foi o suporte que proporcionou a dinâmica de persuasões entre mim, uma moradora da região metropolitana de Fortaleza, e conteúdos de várias partes do Brasil e do mundo.

Hoje, o nosso paradigma é outro: a internet e as redes sociais. Estas já não trazem o interesse de um único grande grupo, a informação não está mais concentrada apenas na mão de um ou dois ricos. Ela está difusa e esse fator também deve trazer as suas problematizações.

Há cerca de oito anos não tenho aparelho televisor em casa. A minha explicação para a decisão – além de saber que não estaria perdendo nada deixando de lado o tal produto – é que eu não suportava o grande exercício de banalização da vida e do meu próprio tempo com a temática supérflua e despropositada diariamente oferecida pelas diferentes emissoras.

Por outro lado, faço uso constante da internet. Estou sempre “conectada”. Talvez meu desinteresse pela TV e seu formato tenha acontecido pelo novo potencial comunicacional que se tornou a internet.

O fato é que a prisão ainda existe e eu ainda estou nela. Hoje procuro páginas de jornais e diferentes mídias alternativas para me informar; recorro ao Google quando tenho alguma dúvida; utilizo o sistema Amazon e Kindle para ler; examino o Youtube procurando debates e produções relevantes nas mais específicas área de interesse; utilizo o Spotfy para ouvir músicas e podcasts; assisto a Netflix para me divertir.

Bem, parece que a espetacularização  do cotidiano só está um pouco mais difusa e “personalizada”, mas ainda me percebo como a menina que corria no caminho de casa para assistir seus programas favoritos. Reconheço que aprendi desde cedo a ser condicionada pelas múltiplas mídias.

Luana Monteiro

Cientista social, mestre em Sociologia (UECE) e pesquisadora.

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Luana Monteiro

Cientista social, mestre em Sociologia (UECE) e pesquisadora.

1 comentário

  1. Milinia

    Lembro que quando fazia meu mestrado me comprometi de não assistir mais novelas pq perdia muito tempo, e assim eu fiz, até me dar conta que troquei a televisão pelo meu celular! De uma forma ou outra , continuei presa, assim como vc falou!