Qualidade no serviço público: a quem interessar possa

O serviço público experimentou no passado grande prestígio. As escolas públicas já foram muito melhores que as escolas privadas. E houve tempo em que os policiais davam conta do serviço e mereciam o respeito e a admiração da população. A saúde pública é coisa mais ou menos nova, mas os grandes hospitais ganharam a confiança do cidadão nos primeiros momentos de seu funcionamento com atendimento exemplar. Tudo mudou.

A queda da qualidade dos serviços públicos não é obra do acaso, consequência natural do passar do tempo, efeito sem causa. Dizer que foi planejada é exagero, mas, certamente, é obra de décadas, foi sendo realizada e consolidada por cada presidente, prefeito e governador, que contribuíram com ações e omissões, sobretudo a partir dos anos 1980, quando duas febres alcançaram todos os governantes: o marketing e a financeirização.

Governar passou a significar administrar a informação e a formação da opinião pública. Aquilo que seria um efeito apenas colateral da redemocratização virou o foco e condicionante das decisões dos governantes. Parece que todos eles aprenderam a regra básica do marketing: a percepção é mais importante que a realidade. Essa não era uma lição difícil para quem vive em torno do poder, vive do poder. Afinal, Maquiavel já ensinava, há quinhentos anos: não precisa ser, basta parecer.

A financeirização é dada como fruto natural das crises. Não é bem assim, o que se sabe é que o grosso do dinheiro dos orçamentos públicos abriu outros caminhos e afastou-se completamente do que se dizia ser a prioridade dos candidatos quando eleitos (serviços públicos de qualidade, bom atendimento ao cidadão, contrapartida natural do pagamento de impostos). Com inflação ou sem inflação, o poder público virou máquina de distribuição de renda.

Para os dois processos (marketing e financeirização), contar com a boa vontade da imprensa foi decisivo. E também não foi difícil, nem demorado. Afinal, a imprensa estava vivendo a sua transição de pequena ou média empresa familiar para a escala industrial, com gestão profissional. Depois de duas décadas e meia de governos militares despreocupados com sua imagem e aceitação, chegaram governantes que dependiam da opinião pública para existir, para properar. E, nesse ponto, a imprensa fez um bom (sic) trabalho.

Quando a qualidade dos serviços públicos baixou tanto que a população ameaçou reagir, vieram os programas que consolidaram a baixa qualidade. É que os governos lançaram os programas de universalização: escola para todos, saúde para todos, energia para todos…E o serviço público cresceu quando não podia (embora precisasse), e como não devia. Tudo que estava eventualmente incompleto, imperfeito, frágil ou errado foi engessado e expandido. Depois, de novo usando a comunicação, quando alguma pressão surgia da população, lançava-se um “projeto” (uma propostinha enganadora que empurrava a questão central para o futuro e oferecia algum benefício pontual, de dimensão apenas exemplar) que ganhava grande dimensão no noticiário promocional.

Até os anos 1980, o funcionário público era cortejado pelos parlamentares. Bancadas inteiras cuidavam dos assuntos e dos interesses do servidor e depois se elegiam e se reelegiam. As tribunas dos parlamentos eram permanentemente ocupadas para debater temas de seu interesse. Tudo mudou. O servidor sumiu do discurso e das plataformas de campanha, e até dos programas dos partidos políticos. Também desapareceu das páginas dos jornais e do noticiário de rádios e tevês. Passaram a surgir apenas em momentos críticos, negativos.

O cidadão pode pensar que a qualidade dos serviços públicos é um desafio grandioso. Engano. A questão da qualidade como objeto da administração já foi resolvida há décadas. Os japoneses ensinaram isso ao mundo nos anos 1970. Qualidade hoje é premissa em qualquer empreendimento, de qualquer porte, de qualquer natureza, de qualquer complexidade. Há modelos teóricos e ferramentas práticas em quantidade. E não custa caro. Exige compromisso.

Alguém se interessa em discutir o assunto?

 

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

1 comentário

  1. Pedro Gurjão

    O último parágrafo desse excelente artigo do Prof. Osvaldo Araujo resume magistralmente a questão. No Brasil, temos o vício de usurpar os novos conceitos técnicos e deles se apropriar impropriamente, vulgarizando-os e banalizando-os. Há pelo menos uns 20 compêndios sobre Gestão de Qualidade, e pelo menos uns 100 relatos de experiência sobre os resultados dessas experiências, referenciais teóricos e aplicação de suas tecnologias e ferramentas gerenciais e de controle. Mas nós, brasileiros, não nos empenhamos em conhecer e respeitar esse denso e consistente conteúdo conceitual. E acontece o filme a que já assistimos: de um dia para o outro até os anúncios de varejo de TV não falam nem repetem outra palavra que não seja Q_U_A_L_I_D_A_D_E, frequentemente a respeito de produtos ou serviços que não têm qualidade nenhuma. Até porque a empresa ou instituição que os anuncia nem mesmo tem um Programa de Qualidade – nem sabem exatamente do que se trata.