Por que somente agora? por Alexandre Aragão de Albuquerque

A sexta-feira da Semana Santa reveste-se de uma particularidade fulcral, pedra angular para o pensamento cristão pelo acontecimento da crucificação e morte de Jesus de Nazaré. Antes de consumar sua existência na terra, ele brada no auge do sua experiência humana: “Meu Deus, por que me abandonaste?”.

Um mergulho nas profundezas da desorientação, da opressão, da tortura, da falta de sentido: o abandono de Deus como expressão máxima do sofrimento existencial do ser humano comum. De fato, muitos místicos e exegetas fazem desse momento particular o ponto central de suas espiritualidades e reflexões, descobrindo nessa pergunta um modelo a ser seguido, um sentido para suas vidas, porque depois de vivenciado em extremo o abandono, Jesus vai mais-além e retoma as rédeas de sua ação entregando-se livremente nos braços do seu Pai: “Em tuas mãos eu entrego o meu espírito!”. Esse “Por que” permeia toda a existência humana.

Nessa semana, aqui no Brasil, tivemos a oportunidade de ter acesso a outro “por que”, também de grande importância, desta feita expresso pelo fundador do Grupo Odebrecht. Em depoimento aos condutores da ação judicial Lava-Jato, Emílio Odebrecht afirmou tacitamente o seguinte: “Tudo o que está acontecendo é um negócio institucionalizado. É uma coisa normal em função de todos esses números de partidos. Eles brigavam por cargos? Não. E todo mundo sabe que era por orçamentos públicos. Ali os partidos colocavam seus mandatários, com a finalidade de arrecadar recursos para o partido e para os políticos. E há 30 anos se faz isso. A imprensa toda sabia que efetivamente o que acontecia era isso. Por que só agora estão dizendo? Por que não disseram isso há 20, 30 anos atrás? Porque tudo isso é feito há 30 anos”. (https://falandoverdades.com.br/2017/04/13/video-emilio-odebrecht-questiona-por-que-so-investigam-agora-esquemas-que-tem-decadas/).

Esse fato pode nos conduzir a um breve paralelo com a efêmera experiência do Movimento de Paris, iniciado em março de 1871, no qual os trabalhadores parisienses por um brevíssimo período foram detentores do poder naquela região da França. Friedrich Engels atesta que esse evento promoveu algumas modificações institucionais pontuais em benefício da classe trabalhadora, como, por exemplo, a supressão do serviço militar obrigatório, a definição do salário mais elevado do servidor público, a extinção do trabalho noturno dos padeiros, supressão do monopólio das agências de emprego, o fechamento das casas de penhor que exploravam trabalhadores endividados.

Mas os capitalistas reagiram e retomaram o poder pela força das armas, “numa luta de oito dias atingindo o ponto culminante com a matança de homens desarmados, mulheres e crianças. O Muro dos federados, onde se consumou o último assassinato em massa, é testemunho mudo, mas eloquente, da fúria a que é capaz de chegar a classe dominante quando o proletariado se atreve a reclamar seus direitos”.

A lição que se retira dessa história é que, para a classe dominante, os trabalhadores não podem reclamar seus direitos. Isto ocorreu no passado, mas se estende também hoje na ideologia ultraliberal tupiniquim do momento presente. Não só não podem reclamar seus direitos, mas para o ultraliberais é preciso acabar com a construção do Estado de bem-estar social, colocada em processo pela chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, acabando com os programas sociais de redistribuição de renda implantados nesse período do governo trabalhista, retirando os resquícios de direitos existentes por meio de uma ponte para o futuro do capitalismo financeiro a qual prevê a deformação da previdência pública, a deformação da lei trabalhista, o congelamento do gasto público por vinte anos para garantir os recursos dos pagamentos dos juros ao sistema financeiro internacional, a ampliação da terceirização para as atividades-fim com a supremacia do negociado sobre o legislado nos conflitos de classe. Enfim, a extinção da lei, para a efetivação do contrato entre partes desiguais em poder.

O ultraliberalismo é uma religião para a qual fora do deus-mercado não há salvação. O típico fiel desta seita é o homo economicus, um personagem artificial, desligado de seus vínculos sociais, voltado única e exclusivamente para a maximização de seus interesses egoísticos. É uma antropologia problemática por apresentar o ser humano como um ser autossuficiente, essencialmente solitário. É um ser dividido dos outros. E como dizia Maquiavel, para dominar o outro, melhor é dividir. Eis a metalinguagem política do ultraliberalismo mundial. Todos aqueles que forem contra esta religião serão proclamados hereges e sofrerão as penitências reparadoras desse pecado capital. Talvez tenha sido por isso, Emílio.

Sobre o autor:

Compartilhe este artigo:

Por que somente agora? por Alexandre Aragão de Albuquerque