PERDIDOS NO ESPAÇO, por Rui Martinho

Durante uma viagem espacial uma família enfrenta dificuldades. Tenta superá-las improvisando soluções, por falta de marcos que possa usar como referência naquele mundo estranho. Esta é uma apertada síntese de uma velha série de televisão. A política brasileira encontra-se em situação algo semelhante à vivida pelos viajantes do espaço, no seriado aludido. Não temos líderes. Nos faltam partidos, embora sobrem siglas que de fato são grupos formados a partir de interesses particularistas ou pequenas seitas políticas. Temos instituições políticas e jurídicas de caráter democrático, mas a conduta dos seus dirigentes pouco tem de republicana. Os marcos da ordem instituída estão perigosamente abalados. O presidencialismo de cooptação está em crise. O Estado provedor, copiado da rica Europa, aqui como lá, já não consegue financiar o bem-estar prometido.

A economia já não conta com crescimento da população e o aumento da oferta de mão-de-obra jovem, a qual, ainda que de baixa produtividade, representava um fator de produção crescente. Hoje a força de trabalho envelhece a passos largos; o êxodo rural que proporcionava algum ganho de produtividade, completou-se. A inflação, monstro bifronte, semelhante a Jano, o deus romano, tinha uma face de tributo outra de confisco, que desvalorizando o orçamento permitia adiar por mais tempo o estouro das contas públicas, já não está presente. Tentamos o consumo sem renda, baseado no endividamento, mas chegamos ao limite desta fórmula. Crescimento sem investimento, baseado nos gastos públicos (principalmente nas despesas correntes), conforme a “nova matriz econômica”, não funcionou. Os marcos teóricos dominantes nos meios letrados ainda estão presos ao fetichismo dos direitos, a ostentação de virtudes cívicas de aparência generosa eleitoralmente poderosa.

Estamos nos desindustrializando; não crescemos; não criamos emprego e estamos envelhecendo antes de alcançarmos o desenvolvimento. Começou a desilusão com o milagre da gastança, consumo sem renda e crescimento sem aumento de produtividade. Só começando. Não temos liderança; nem organização que promovam as reformas necessárias. As instituições estão em crise. Temos disputa entre os poderes da República e decisões casuísticas. A substituição do presidencialismo de cooptação por uma responsabilidade compartilhada entre os poderes enfrenta sérias dificuldades.

Temos um conflito entre duas frentes. Uma unida pelo temor que a Lava Jato inspira, pelo apego ao poder e por interesses particularistas que unem grupos antagônicos. O outro lado não tem as experientes raposas da primeira, mas neófitos, apresenta divisões, com diferenças internas próprias das frentes. Não tem uma liderança com habilidade para agregar um ajuntamento formado apenas pela repulsa à cooptação, à locupletação e às ilusões políticas. É formada por amadores que, não entendendo o complexo jogo de interesses e paixões, desconfiam de tudo. Padece da paranóia dos aparelhos, que acometia os grupos da luta armada, nos quais todos desconfiavam de todos.

Sonhando com o honroso posto de herói da luta contra a velha ordem, os amadores ficam expostos aos ataques da mosca azul, sonhando com oportunidades eleitorais na distante galáxia de 2022. Haja crise.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.