Pedofilia: monstruosidades e ocultações

“A história da infância é, em verdade, um pesadelo para muitas crianças, para o qual nós só começamos a despertar em tempos recentes”. Lloyd de Mause, psicanalista.

 

Dois fatos de extrema gravidade marcaram a cena política desta semana, manifestados em duas passagens proferidas por Bolsonaro. Um diz respeito ao seu ataque torpe e preconceituoso em relação aos pobres, moradores das periferias, quando no debate da BAND, dia16, acusou, sem apresentar provas, que o ex-presidente Lula, quando de sua calorosa visita à comunidade do Complexo do Alemão (RJ), estava cercado de traficantes. O segundo fato diz respeito a uma sua declaração relatando um passeio de moto que fez pela periferia de Brasília, afirmando que ao deparar com duas meninas adolescentes (14 e 15 anos), ao surpreender-se por vê-las “bonitinhas e arrumadinhas”, afirmou que “pintou um clima” e ele pediu para entrar na casa delas. Ambas as situações causaram grande espanto por parte da opinião pública nacional.

O termo violência descende do latim “violentia”, implica o uso da força e da crueldade. O verbo “violare” (crianças violadas) significa profanar, transgredir. Uma força torna-se violenta quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam as relações, adquirindo e portando uma carga negativa e maléfica, profanando pessoas e valores. É portanto a percepção do limite e da perturbação (dos sofrimentos que provoca) que vai caracterizar um ato violento. Por sua vez a noção de monstruosidade, segundo a definição de Michel Foucault (Os Anormais, Martins Fontes, 2001), é o modelo de todas as discrepâncias, apresentando-se como o extremo de anomalias, combinando o proibido e o ininteligível, transgredindo os limites da lei e da classificação.

Segundo a CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), da Organização Mundial de Saúde, a pedofilia é uma modalidade de “Transtorno Sexual”, caracterizado pela preferência sexual por crianças e adolescentes, meninos ou meninas, por parte de indivíduos com mais de 18 anos. O diagnóstico de pedofilia pode ser feito, segundo o Manual, se o indivíduo realizou seus abusos sexuais ou se os seus desejos causaram sofrimento às crianças e adolescentes, vítimas de sua tara sexual.

Os numerosos estudos e pesquisas acadêmicos sobre pedofilia atestam que o adulto pedófilo desenvolve várias práticas de sedução para aproximar-se de uma criança, ou adolescente, envolvendo-a num clima perverso. Devido à pobreza, ao desemprego, à fome, à desestruturação famililar, à banalização da sexualidade, a pedofilia ganha força em sua perversão sexual (Freud), interferindo de forma drástica no desenvolvimento integral infantil, provocando traumas irreversíveis, além de doenças transmissíveis por sexo e gravidez nas vítimas abusadas. O adulto seduz e impõe um tipo de ligação sigilosa sobre a criança e a adolescente, na tentativa de mascarar sua monstruosidade. O sofrimento psíquico derivado das situações de abuso sexual situa a vítima na posição de “sobrevivente refugiada”: a criança que se refugia de maneira precária em seu mundo interno, detendo um segredo sob o manto da dor e do silêncio. Sem capacidade de defesa, a criança reage até onde pode, mas uma vez submetida à sedução e força do pedófilo, vê-se obrigada a ceder à violência do mais forte.

Como colaboradora externa para os abusos dos pedófilos situa-se a exploração comercial e sexual da infância, desenvolvida pelos meios de comunicação social, quando promove a erotização e espetacularização da sexualidade infantil, destruindo o caráter humanista de nossa civilização, produzindo um clima desastroso para o desenvolvimento deste tipo de perversão sexual e violência contra crianças.

Neste contexto cultural, causou grande perplexidade e estranhamento mais esta declaração irresponsável de Bolsonaro. Pergunta-se: na condição de presidente da República, ao constatar uma situação de violação de adolescentes (prostituição infantil), como ele insinuou em sua declaração, por que não encaminhou para as instituições responsáveis pela proteção da infância e a adolescência o caso daquelas adolescentes de 14 e 15 anos? Ou será que a monstruosidade do seu discurso estaria justamente na manipulação dos fatos para associar uma suposta exploração sexual de adolescentes ao fato de elas serem pobres (“bonitinhas” e “arrumadinhas”) moradoras da periferia e venezuelanas?

Estes dois episódios acima – da comunidade do Alemão e das adolescentes venezuelanas – precisam ser apurados, colocam em luz outra questão não menos importante: o que faz setores do governo federal colocar sob sigilo de 100 anos atos e operações que deveriam ser públicas? O que eles escondem de tão grave a ponto de ocultar o bem público (a transparência da informação dos atos públicos) da opinião pública? Quais as razões de tantos segredos, capazes até de criar a monstruosidade de um Orçamento Secreto?

Um fato recente na história brasileira encontra-se no evento de um jovem de Araraquara – SP, Walter Delgatti Neto, vítima de abuso de poder e perseguição por parte de um promotor de sua cidade. Ao ver o referido perseguidor trocar mensagens pelo aplicativo Telegram, resolveu reagir, invadindo a conta do seu algoz na tentativa de desmascará-lo diante das autoridades judiciais. Em 2019, navegando pela conta do promotor, encontrou o contato de Deltan Dallagnol. Como o jovem Delgatti, até então, era um defensor da Lava Jato, entrou por curiosidade na conta do procurador de Curitiba. Depois de ler, por 15 minutos, as conversas trocadas por Dallagnol com seu bando de procuradores, Delgatti sentiu-se traído em sua boa-fé, pois constatou que aqueles procuradores federais praticavam o mesmo horror, agindo da forma ilegal e perversa que a do promotor que o perseguia em sua cidade. Decidiu então que aquela farsa oculta de Curitiba, denominada de Lava Jato, deveria tornar-se pública. A partir da data histórica de 09 de junho de 2019, por meio do site “The Intercept Brasil”, foram iniciadas a publicações pelos jornalistas. Em 23 de julho de 2019, a Polícia Federal deflagrou a “Operação Spoofing” com o objetivo de investigar as invasões dos celulares funcionais dos agentes públicos de Curitiba operadores da Lava Jato, principalmente os de Moro e Dallagnol, descobrindo todas as falcatruas judiciais perpetradas pela república de Curitiba contra o Presidente Lula.

Uma das promessas do Presidente Lula é tornar públicos todos os segredos ocultados pelo “Sigilos de 100 anos”. No dia 30 de outubro nosso voto em Lula irá propiciar o cumprimento de tal promessa de campanha, necessária para que o Brasil retome sua condição de república democrática.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

Mais do autor

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .