PALAVRAS SANTAS, por Alder Teixeira

Em meio à comoção que tomou conta do país desde a morte do jornalista Ricardo Eugênio Boechat, um depoimento, sobremaneira, chamou a atenção de todos, e haverá de entrar para a história do radiojornalismo brasileiro: refiro-me à entrevista concedida pela mãe do pranteado Boechat, Mercedes Carrascal, à rádio Bandeirantes, a poucos passos do corpo do filho tragicamente morto.

Que demonstração de firmeza, que lição de força, que capacidade de olhar para o futuro, apesar de tudo; que crença nos valores mais dignificantes da condição humana!

Não sei o que pensa Dona Mercedes sobre a vida depois da morte. Desconheço suas convicções acerca da existência ou não de Deus, nem mesmo de onde arrancou motivação para falar com tanto equilíbrio sobre o filho que acabara de perder, e dos sonhos em que ela e seu “menino” morto, acreditavam.

O que sei, e o que o Brasil ficou sabendo, com palavras inteiras, é que mais importante do que declará-LO “acima de todos” ou vê-LO entre folhas de goiabeiras, é estar em sintonia com o que Ele pregou entre os homens mais de dois mil anos atrás. Com a voz firme, porque absolutamente consciente do que dizia, ainda que com o coração em pedaços, Dona Mercedes propugnou o que pode haver de mais próximo do Deus em que não sei se acredita, mas que parecia ter ao seu lado, coisa palpável, ao erguer a voz, com tanta emoção e tanta sinceridade, em favor dos humilhados e ofendidos da sociedade, desigual e perversa, deste país tão roubado em sua dignidade.

Como uma deusa mitológica, Dona Mercedes, a exemplo do filho, jornalista combativo e brilhante, conquistou com seu depoimento feito de sofrimento e amor ao próximo, um país inteiro. Entra para a história como um exemplo a ser seguido, um exemplo maior e mais robusto que as igrejas triunfantes de que nos falou Drummond, que os templos suntuosos e, mesmo, maior que a desfaçatez dos pregadores oportunistas do improvável.

Como que de mãos dadas com um ser supremo, esquecendo-se por instantes da dor que a dilacerava, a velha senhora cobrou dos poderosos de plantão salários mais dignos para os trabalhadores; cobrou condições de vida menos aviltantes; cobrou respeito pelos menos favorecidos deste Brasil de (redivivos) exploradores da ignorância e do atraso. Cobrou hospitais, escolas gratuitas para todos. Cobrou justiça para com os injustiçados.

Num momento, assim, em que tudo parece estar perdido, é o depoimento de um mãe aflita e dilacerada o que nos devolve um pouco de esperança e fé na vida.

Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica

Mais do autor

Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica