Os Partidos Políticos e o processo de Impeachement, por Josênio Parente

A recente banalização do recurso ao impeachement de presidentes da República brasileira desafia estudiosos e coloca questões importantes no debate sobre a consolidação das instituições democráticas e do estado de Direitos que vem ocorrendo na sociedade. Qual o papel dos Partidos Políticos nessa dinâmica, já que a competitividade é a marca da modernidade?

O espectro do impeachment rondou, de forma intensa, o segundo governo de Dilma Rousseff e continuará por mais algum tempo. Apesar de não ter sido novidade na democracia brasileira, desde a eleição direta para presidente da República o processo rondou por todos os presidentes. A Constituinte de 1988 não refletiu realistamente sobre o caso e é a legislação da década de 1950 que inspira o processo. Ali, Getúlio Vargas, e apenas Getúlio Vargas, sofreu esse problema quando eleito, em 1950, pelo voto popular. Possivelmente, por ter sido raro naquele período pós-segunda guerra mundial é que o tema não mereceu a devida atenção na Constituinte de 1988.

Getúlio Vargas representou uma época de construção de nossa modernidade, cuja característica, relembramos, é a competitividade. Estimulou a criação de atores modernos, como a burguesia nacional e um trabalhador industrial. Ele fortaleceu a classe média e trabalhadora com a promulgação da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), em 1943. Criou dois partidos políticos na redemocratização de 1945. Da burocracia do Estado Novo criou o PSD (Partido Social Democrático), e dos direitos trabalhistas criou o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Em contrapartida, Getúlio viu crescer uma oposição representada por setores mais conservadores, o sistema financeiro e o setor rural exportador, todos reunidos na UDN (União Democrática Nacional). Foi nessa conjuntura competitiva que o impeachement passou a fazer parte do debate democrático no Brasil. O período de 1945 a 1964, competitivo nos interesses e projetos dos atores, já formava um sistema partidário com estas forças política. Foi interrompido com o golpe militar.

A presença desse espectro a partir da eleição de Collor de Mello, relembramos ainda, indica que a correlação das forças políticas, a competitividade do atual Brasil moderno, não consolidou o partido como projeto para a conquista do poder, apesar de ser o único caminho democrático a seguir. Melhor ainda, o sistema partidário em estruturação não é a continuação do sistema vigente no pós-guerra e a sua estruturação pela via partidária ainda exige do presidente muita “criatividade” para a formação de uma base aliada. A fragmentação dos partidos, sua fragilidade, ainda dificulta a governabilidade.

O caso da Dilma revela, de forma clara, essa fragilidade no seu governo ao perder a “base aliada” no Congresso Nacional. Seja no parlamentarismo ou no presidencialismo, o Congresso é corresponsável. No parlamentarismo, o governante terá sempre de ter o seu aval para continuar governando. No presidencialismo, ao contrário, o aval é da sociedade civil que o elegeu que deveria está representado no parlamento. O Congresso deveria ser a representação, pois é corresponsável pala governabilidade. Isso não indica que o impeachement seja antidemocrático. Apenas que sem esse aval não é possível afastar presidente da República, como mostrou a realidade com o caso Collor de Mello. Ele não tinha o apoio nem do Congresso e nem da sociedade civil organizada. Não é um argumento jurídico, mas sociológico.

A realidade tem mostrado, então, que o impeachement é a exceção e não a regra nos sistemas presidencialistas. Nos Estados Unidos, apenas um presidente foi afastado por esse recurso. No Brasil, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva sofreram fortes ameaças de impeachement, mas foi apenas Fernando Collor a exceção à regra. Faltava a ele apoio no Congresso e, sobretudo, na sociedade civil, a fonte de poder num regime democrático.

Se o impeachement chegar ao Governo Dilma Rousself será uma nova exceção à regra do jogo. Dilma fragilizou-se perante o Congresso, o “locus” que conduzirá o processo. mas faz parte de um partido que tem capilaridade na sociedade civil organizada. O Congresso e a sociedade civil ainda não se encontraram nos partidos políticos e aí está a dificuldade da condução do processo.

Essa reflexão se deve ao fato de que estamos num recesso dos poderes Legislativo e Judiciário. Por decisão do próprio Judiciário, o andamento do impeachement parou para aguardar decisões importantes a respeito do ritual e das competências dos poderes envolvidos. A judicialização em curso reforça a ideia da fragilidade do legislativo que, apesar do esforço para se fortalecer, ainda tem uma dificuldade séria: ausência de partidos políticos fortes.

Temos discutido em outros trabalhos o diagnóstico e a especificidade dos partidos políticos no caso da democracia brasileira. Um detalhe, contudo, preocupa: o destino do sistema partidário que já se apresenta com uma luz no fundo do túnel. O Judiciário assumiu a dianteira das funções que lhe é imputada como importante: ser um agente na construção de uma ética liberal em construção no Brasil. A operação Lava Jato como é levado constitui um desses instrumentos. O Legislativo, contudo, necessita acompanhar esta caminhada criando as condições para que os partidos se tornem cada vez mais representativos. Vários passos já foram dados!

Vamos em frente! É o nosso pacto civilizatório em construção!

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

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