Os Fins e os Meios

A corrupção tem apresentado como defesa o ataque. Quem acusa é direitista, moralista, ingênuo.

A corrupção tem apresentado como defesa o ataque. Quem acusa é direitista, moralista, ingênuo. A negativa de autoria fica em segundo plano porque carece de plausibilidade. “Rouba mas faz política social”, “a política sempre foi assim”, são argumentos em forma de confissão. A hipocrisia deu lugar ao cinismo. Dizer que os fins justificam os meios é uma destas confissões, advinda da chamada ética finalista (teleológica, em “filosofês”) e da ética situacional. Estas fazem parte das ideologias messiânicas, presentes no grupo político dominante.

Há quem confunda ética situacional com a ética da responsabilidade. É um erro. A ética situacional é relativismo deontológico, apoiada no mito do contexto. Tanto quanto a ética teleológica, acaba derivando para o oportunismo puro e simples. A ética da responsabilidade não condiciona valores a situações. Ela reconhece uma hierarquia de valores e, quando se constate uma colisão entre eles, sacrifica o de menor hierarquia. Assim os valores são sempre reconhecidos com um dado peso ou posição na hierarquia, sem acomodações de ocasião, independentemente de qualquer situação. Nas situações apenas temos o encontro de valores de peso desigual.

Na política os maiores valores são o bem-estar social, a segurança jurídica, a liberdade e outros. A atual corrupção endêmica atende a alguma finalidade excelsa? Saquear os cofres públicos, corromper parlamentares e amealhar o “troco” de alguns milhões atende algum interesse superior? Não. Corrompidos os parlamentares, tendo-os submetidos a peso de ouro, não se fez a reforma política; não se fez a reforma tributária; não se fez a reforma previdenciária; não se fez a reforma trabalhista; não se fez nada. Não se fez nem sequer foi tentado.

Qual foi a finalidade de tanta corrupção? A manutenção e expansão do poder e o enriquecimento pessoal. Só se fez multiplicar a dívida pública, sucatear o setor elétrico, trazer de volta a inflação, prejudicar a PETROBRAS, produzir déficit público. Os serviços públicos e a infraestrutura logística continuaram sucateados. Até a pobreza e a desigualdade social voltaram a crescer.

A corrupção “bem intencionada” é como o esquadrão da morte “bem intencionado” ou a tortura “bem intencionada”. Começa escudada em finalidades virtuosas, mas termina sempre no crime vulgar. Quando o corrupto se apropriava do dinheiro público e o aplicava aqui mesmo, escolhendo os setores mais dinâmicos, impulsionava a economia. O problema era mais de natureza moral do que natureza econômica ou social. Hoje o corrupto já recebe a propina no exterior. A nossa economia é subtraída daquela importância. O problema, além do aspecto moral, é também de natureza econômica e social. Já não se pode falar em “moralismo”. Há um fator econômico indutor de sérias consequências sociais.

Tem mais: a corrupção de outrora visava apenas o enriquecimento. Hoje acrescentaram o atentado às instituições democráticas, pela corrupção do aparelho do Estado. Ganhar eleições foi uma das finalidades e foi bem sucedida.

Os números astronômicos do petrolão, a natureza endêmica e a institucionalização dos procedimentos criminosos colocam em perigo o próprio Estado direito. Fortaleza, 08 de fevereiro de 2015.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.