Os caminhos da radicalização, por Rui Martinho

A Espanha está dividida e radicalizada. As eleições nos EUA resultaram em radicalização e não aceitação de resultados. A Argentina, Venezuela, Reino Unido, França, Itália, Bélgica, Brasil, vivem divisionismos, cada um a seu modo, com alguma radicalização. Flamengos e valões vivem um antagonismo cultural com tempero econômico. Britânicos e europeus dividiram-se por motivos semelhantes, como os italianos do norte e os catalães. O Reino Unido está desunido. Não só separatismos radicalizam as sociedades. Brasil, Venezuela, EUA, Argentina vivem polarizações resultantes da ideia de uma cidadania agressiva na defesa do supostamente justo, esclarecido ou politicamente correto. O outro é alienado, analfabeto político, preconceituoso ou padece de algum distúrbio psiquiátrico. Não se fala mais em moral conservadora, mas em preconceito ou fobia. A discussão da viabilidade de propostas “do bem” foi substituída pela discussão das suas intenções. Uns são “favoráveis ao bem”, atribuindo as piores intenções aos seus críticos.

A base disso é a convicção de superioridade moral e intelectual, flagrantemente falsa, fundada na adesão da maioria esmagadora dos intelectuais, mas estes são os mais vulneráveis às ilusões. Vivem no mundo das ideias, não dos fatos. Intelectuais não são os mais estudiosos físicos, biólogos ou matemáticos dedicados aos mais complexos problemas. Estes raciocinam com base nos fatos. Intelectuais são poetas ou estudiosos do campo humanístico, que elaboram ideias contrariando os fatos, sob o pretexto da repulsa ao conformismo, elaborando uma pretensa ciência normativa, dizendo como a sociedade deveria ser, sem compreender a sincronia e a diacronia histórica e social como ela é, mergulhando no mundo onírico. A presunção de superioridade moral ignora que abundam intelectuais degenerados e com uma percepção seletiva dos fenômenos sobre os quais pontificam em suas elucubrações, submetendo a realidade às suas ideias. A presunção de superioridade, de novos gestores da moral e o projeto de uma moral oficial para a vida privada, regulando a intimidade, a alimentação e a consciência levam ao radicalismo por ser uma imposição normativa tão democrática quanto o círculo é quadrado. É servidão mental. Incapacita para a crítica invocando a criticidade. Usa o relativismo, para o qual tudo é mera perspectiva, mas tem certeza do “politicamente correto”. É irracionalidade. Os anos 30 do século XX foram assim. Em boa coisa não deu.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.