Os Arimateias do Reino: a prática política institucionalizada em mais um grupo da IURD

E Jesus lhes disse: Que quereis que vos faça?
E eles lhe disseram: Concede-nos que na tua glória nos assentemos, um à tua direita, e outro à tua esquerda.
Marcos 10:36,37

 

Não é novidade que a igreja Universal explora ao máximo os meios midiáticos que têm a disposição. Os Bispos dão pitacos na grade de programação desde a aquisição da TV Record, por exemplo. Com a onda de novelas bíblicas na emissora tornou-se mais comum figuras como Ricardo Cardoso e sua esposa e filha de Edir Macedo, Cristiane Cardoso se reunirem com elencos, como aconteceu na reta final da novela Jesus em fevereiro deste ano. Consta ainda, segundo uma alta fonte na Record, que Cristiane Macedo funcionou como “controle de qualidade” e autora oculta de Os Dez Mandamentos, sucesso da emissora em 2010. Ela corrigiu passagens bíblicas, cortou falas e sugeriu diálogos. 

Ainda sobre a novela, me chamou atenção a entrevista dada pelo ator Giuseppe Oristanio à Folha Universal que interpretou na trama José de Arimatéia. Na verdade o que mais chama atenção na matéria não são bem as palavras do ator e sim a intenção de evidenciar o personagem como homem político, influente, honesto, com dom para ganhar dinheiro e capacidade para defender o “corpo de Cristo”, convenhamos, o perfil traçado é considerado exemplo a ser seguido na IURD.

Pode não fazer muita diferença a história despretensiosa de José de Arimatéia na novela Jesus exibida na Record, mas observando os trechos finais da matéria em que o personagem bíblico é descrito: “Graças ao cargo que ocupava, foi possível a José de Arimatéia interceder junto a Pilatos pelo corpo de Messias. Jośe de Arimatéia mostra que a questão política foi importante na época de Jesus como é nos dias atuais.” podemos perceber que a matéria se comunica diretamente com o público da Universal, já que esses são os mesmos argumentos que são constantemente utilizados na reafirmação da importância deste grupo na Igreja.

O personagem é materializado nas práticas do Grupo Arimatéia e de acordo com um vídeo de depoimentos onde vários membros relatam suas experiencias ao se aproximar do grupo, este seria a oportunidade de “conscientização política”. Para o Bispo Alessandro Phascoal, responsável nacional do Arimatéia, pelo fato da igreja ser composta por muitos membros que “sendo simples, ainda não compreendem questões políticas, acabam tomando escolhas erradas por não saberem qual a melhor escolha, e continua, afirmando que num passado recente a igreja também teria se frustrado por escolhas erradas no meio político. 

Nesta live realizada no dia 24/05, domingo, pelo Bp. no youtuber, ele aborda como tema do encontro: “o cristão e a política” em que se inicia com um vídeo produzido pelo grupo – Pensa Brasil – conhecido por ser uma verdadeira máquina de “fake news”, dentre seus alvos preferidos estão os partidos de esquerda. O vídeo finaliza com com uma frase narrada e escrita em letras garrafais: “impossível um cristão verdadeiro apoiar a ideologia de esquerda ou um candidato que apoia tais ideias”.

O líder promete que irá explicar o que está em jogo no cenário político a partir da leitura bíblica. Então a palestra religiosa é direcionada a explicar como Lúcifer agiu e continua agindo apontando as diferenças, e em seguida relaciona seu entendimento sobre essa disputa binarista entre Deus e Lúcifer com a polarização política entre direita e esquerda, numa busca nada discreta de transformar Lúcifer em esquerda, portanto de demonização do oponente.

Nesta exposição sobre o embate bíblico, utiliza como recurso linguístico palavras como: “escolha”, “eleição” e “campanha” para criar uma atmosfera próxima ao cenário político brasileiro de acirramento e polarização. Em sua narrativa, Lúcifer vai ao palanque falar para os demais anjos, seus pares, sobre a necessidade de se unirem contra Deus, que ao ser diferente deles, não poderia entender suas demandas. A essa altura, ao descrever esse Lúcifer militante os participantes do Arimatéia que acompanham a live falam frases como : “e ainda tem obreiro que apoia esses partidos de esquerda”. No mínimo preocupante essa postura de demonização e coerção coletiva a partir da postura política dos líderes da instituição que se amplifica com a falsa “conscientização” dos seguidores mais radicais.

Dois fatores a serem pontuados, 1- o fato da narrativa iurdiana circular além da zona de influência dos seus seguidores num projeto de verdadeira eliminação da esquerda e 2- alinhamento do regime evangélico em torno do governo Bolsonaro. Na Record por exemplo a ordem é blindagem ao governo federal, bem ao estilo da campanha eleitoral em que Bolsonaro foi a Record para uma entrevista que mais pareceu conversa de compadres. Assim o governo vai acumulando posturas polêmicas e descasos com pautas importantes de relevância social como é o caso da questão ambiental, tratada com verdadeiro descaso pelo governo, com destaque para a fala no mínimo assustadora do Ministro Ricardo Salles com o intuito de aprovar legislações de afrouxamento de fiscalizações num momento que o foco é pandemia.

Nem mesmo a crise gerada pelo vídeo da reunião ministerial parece abalar os seguidores de Bolsonaro. Não é de assustar que haja uma debandada do regime evangélico ao bolsonarismo, tudo vai depender das chances de Bolsonaro numa reeleição, isso se estes e outros setores que o sustenta não cansarem antes. Independentemente disso, talvez a tendência na política brasileira seja que este regime continue se fortalecendo enquanto setor unido nas pautas morais e dividido nos seus diferentes objetivos e denominações. Além disso me parece que este setor entendeu seu potencial, não a toa cada vez mais busca se ganhar espaço na política a partir de tráfico de influencia, uma vez que já mostraram ter potencial para eleger um presidente.

 

Referencias

– https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/em-segredo-filha-de-edir-macedo-corrige-capitulo-de-novela-da-record-7125

–       https://www.universal.org/noticias/post/jose-de-arimateia-um-politico-justo/

–        Live e vídeos mencionados – https://www.youtube.com/watch?v=QdlIH98aWzc&t=2s

 

 

Natanael Silva

Natanael Pereira da Silva é Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará, ex. Nascido e criado em ambiente evangélico atualmente se dedica a compreender a realidade social brasileira a partir das Igrejas evangélicas e suas relações com a política.

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Natanael Silva

Natanael Pereira da Silva é Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará, ex. Nascido e criado em ambiente evangélico atualmente se dedica a compreender a realidade social brasileira a partir das Igrejas evangélicas e suas relações com a política.

1 comentário

  1. Lidomar Nepomuceno

    Excelente análise. A crescente presença de evangélicos no campo político, até mesmo em esferas do governo Bolsonaro, somado ao lugar que ocupam na mídia, sobretudo televisiva, torna urgente uma reflexão acerca da atuação desses grupos religiosos que avançam passando por cima da laicidade do Estado, quando influenciam, fundamentados em princípios de religião majoritária, a vida política e mesmo políticas públicas de governo, lebre-se aqui da atuação da ministra/pastora Damaris Alves. Parabéns pela análise atenta, Natanael.