É conhecido o provérbio latino que diz: In vino veritas, que significa “no vinho está a verdade”. Alude, por óbvio, ao fato de que o álcool provoca no homem a sensação de “liberdade”. Mais objetivo, todavia, seria afirmar que o provérbio, atribuído ao filósofo Caio Plínio Cecílio Segundo, mais conhecido como “Plínio, o Velho”, para os romanos significava dizer que sob o efeito do álcool o homem libera suas convicções mais profundas, algo, guardadas as devidas particularidades, como a voz do inconsciente de que nos falaria Freud a partir do surgimento da psicanálise com “A interpretação dos sonhos”, e que silenciamos sob o peso das conveniências as mais diversas.
O voto revela o homem, por Alder Teixeira
Para o pai da psicanálise, “A voz do inconsciente é sutil, mas não descansa até ser ouvida”. Ela se faz ouvir através dos nossos “atos falhos”, como define um equívoco da fala provocada pelo desejo inconsciente reprimido. Para Freud, os atos falhos são diferentes do erro comum, pois que nenhuma ação, gesto ou palavra ocorre acidentalmente.
Como literatura, sempre me seduziu a metáfora usada entre os profissionais da psicanálise para definir a mente como um “iceberg”, posto que sua parte visível é tão-somente um pequeno pedaço de sua totalidade. A parte submersa, escondida nas águas, é sempre muito maior.
Assim é mesmo a mente humana: o consciente é apenas a parte visível, enquanto o inconsciente é a parte submersa, escondida sob as águas profundas.
No contexto de uma campanha marcada pela passionalidade, em que o ódio aflora com uma força apavorante e ficamos “cegos” (como todos, com razão, afirmam), ocorre-me lembrar que, na linha do vinho e dos atos falhos libertadores dos desejos inconscientes, o voto em alguma medida revela as nossas convicções mais íntimas, muitas vezes silenciadas pela “vergonha” de torná-las públicas.
Mais que uma escolha entre ideologias distintas, direita e esquerda, centro ou extrema, é o conteúdo do que professam nossos candidatos e a nossa identificação com eles que orientam — como o vinho de Plínio ou os atos falhos de Freud —, as nossas opções, e que nos levam à urna para depositar nosso voto. Não o fazemos isentos de expressar, pelo voto, nossas convicções e nossos desejos, a parte escondida do iceberg.
Se voto num candidato que professa “conscientemente” a rejeição às diferenças e às minorias (mulheres, homossexuais, negros, índios etc.), que dissemina a violência como forma de intimidar o outro, fala por mim este voto — e sua voz diz das minhas convicções, do meu pensamento, das minhas ideias, enfim, de tudo aquilo que defendo no íntimo do meu ser. Através dele expresso o que quero para o meu país e o meu povo, o que penso sobre direitos humanos, como a dizer a plenos pulmões:
” — Sim, sou contra negros, mulheres, homossexuais, índios. Exalto a violência e abomino a democracia. E, pasmem!, mais que tudo, sou favorável à tortura!
O voto, tanto quanto o vinho, revela o homem.