Educação rima com Arte? Rima!!!! E é uma rima rica, daquelas que entranham no coração das pessoas, fazendo-as melhores, mais leves e igualmente mais críticas! Sim! No sentido de uma criticidade que se alonga no mundo, que vai além do corpo ordinário, e chega ao extraordinário! Educar-se é isso: transcender o mundo pra gente se transcender dentro dele. Alargando-o! Portanto: com novas possibilidades de enxergá-lo, de construí-lo a partir da nossa visão. E basicamente aumentando nosso capital cultural!
O universo da cultura também envolve questões educacionais, potencializando conceitos e a aplicabilidade deles no mundo do conhecimento. Tais conceitos devem ser abordados com competência, com rigor científico e com o compromisso da honestidade intelectual que toda pesquisa exige. Entretanto, todo esse contexto não basta. Afinal, o universo artístico pode ser aposto a toda essa conjuntura. Ou seja: se somos clivados entre emoção e razão, tanto melhor se pudermos juntar essas características. E a Arte possui atributos que agregam conexões a esses dois mundos. Aliás, conceitualmente, tem o poder de fazer isso de uma forma sensível, criativa, inteligente e, porque não dizer, competente também.
Paulo Freire já sustentou que ninguém se torna educador numa terça-feira de tarde. Trata-se de um processo. De um fluxo em torno de variadas leituras, de abordagens multidisciplinares, de querer fazer o mundo melhor. Mais humano. Mais gostoso. Educação, indo além, é formação e mola-mestra de uma entrega – profissional ou não – para “conhecer”. E o ato de conhecer envolve criatividade, busca de soluções, improvisos. A Arte também caminha nesses percursos. Desse modo, por mais que uma manifestação artística tenha estratos pré-definidos, ainda assim experimentações poderão ocorrer. Como numa aula, em que a ciência se faz presente a partir de uma síntese de análises previamente comprovadas.
Diante de toda essa conjuntura, quando fiz o curso de Letras na UECE, só pensava no poder que a “palavra”, enquanto conexão vital com o mundo, possui. Meu amor pela “palavra” sempre foi muito forte! A ponto de, adolescente-poeta, escrever madrugada adentro e no escuro da noite textos iluminados pelos sonhos recentes. O amor pela palavra. O amor pela letra. O amor pela literatura. O amor pelos livros. O amor por Machado, por Drummond, por Graciliano, por Lima, por Rubem, por Patativa. E a palavra presente. No entorno, o amor pela sanfona – meu primeiro instrumento e, logo após, pela bateria. O amor pela música. O amor pelo rock, pelo blues. O amor por ler sobre pinturas, sobre partituras. E a palavra presente. O amor sobre cantos e encantos de Elis, de Chico, de Milton, do Gênesis, do Yes, do Pink Floyd, do Led Zeppelin. E a palavra presente. O amor pelo rádio. O amor pelos jornais. O amor pelas revistas em quadrinhos. E a palavra sempre presente. Ao fim e ao cabo: o amor pela Arte!
Filho de mãe pianista e pedagoga, Ana Maria Perdigão, e de um pai super leitor – mesmo atualmente, aos 97 anos -, Carlos Alberto Ferreira, descobri, ainda criança, a força arrebatadora que a Arte possui: ela iria fazer parte da minha vida, em comunhão com os palcos e com as salas de aula. Mais adulto e experiente, já professor, além de músico, para dar mãos à obra, compreendi que tal comunhão não surge do nada.
Sobre esse aspecto conjuntural, e com a intenção de levar a arte para a sala de aula (ou melhor: “sala de arte”), passei a imaginar possibilidades. O objetivo era realizar conexões artístico-educativas coerentes. E para isso ocorrer, têm que haver homologias claras, que distribuam com certa logicidade a riqueza da ciência e a potência emocional da arte.
Entretanto: dúvidas… Como levar a Arte nesses termos para a classe? Como envolver os estudantes numa viagem multicultural que não seja só minha? No percurso, outras questões: qual recorte temático delimitar? Ele tem que ser verdadeiro. Ele tem que envolver nossas raízes. Ele tem que falar da nossa gente. Ele precisa interferir no Ceará, fazendo com que as pessoas conheçam – e reconheçam! – os talentos daqui, os quais não precisam estar na grande mídia – afinal, a lógica ali recorrente já sabemos qual é…
Foi partindo de todas essas questões que apostei numa proposta de levar o trabalho do artista cearense “marginal” para a sala de aula. O alvo: juntar o português, sua norma padrão e seus vários conceitos aos pressupostos da arte produzida neste estado. Mas não qualquer manifestação artística! Ela tinha que ser fundamentalmente da periferia: do palhacinho do circo pouco conhecido, do poeta esquecido das praças, do violonista dos bares, das contadoras de histórias, das mulheres rendeiras, dos cordelistas e grafiteiros anônimos…
Em outras palavras: esse trabalho, realizado por mim desde 2006 na disciplina de Língua Portuguesa do curso de Comunicação Social – 1º semestre, na Faculdade Cearense – FaC, já levou centenas de artistas dos mais variados campos de atuação à sala de aula, desde borracheiros-poetas a padres violonistas, passando por travestis-dançarinas. O conceito básico reside em duas esferas: a inexistência de qualquer preconceito, e a marginalidade do fazer artístico. Nessa atividade, portanto, os alunos realizam a apresentação – oral e escrita – da vida e da obra de um artista que produz no Ceará e que não esteja inserido na mídia formal (mídias de massa).
A pedra causal deste trabalho envolve um convite que recebi de uma amiga que fazia Psicologia na Unifor [Universidade de Fortaleza]. Fui convidado por ela para ser biografado em um trabalho do seu curso. Em sala, estive presente durante a apresentação dela, e isso mexeu muito comigo, principalmente pelo viés educativo de valorização de minhas atuações.
Na FaC, a tentativa é de valorizar a produção do artista e do seu talento. Lá, ele é tratado como grande estrela – o que, na verdade, é! -, independente do sucesso que tem ou não. Aliás, o “sucesso” neste país, muitas vezes, envolve questões comerciais e pecuniárias. E isso significa outra coisa, não exatamente competência artística. Durante o percurso do trabalho, ao mesmo tempo, chamo atenção dos alunos para a responsabilidade social que eles têm como futuros formadores de opinião.
Em tal contexto, o que me diz respeito, portanto, passa pela Arte-Educação. No entorno de todo esse quadro, como músico e professor, tenho elaborado projetos que funcionam na intercessão entre esses campos. Reside aí uma perspectiva histórica: gosto de narrativas; elas sempre têm início, e não obrigatoriamente, fim… O primeiro projeto que formatei, o qual conta a história deste país a partir do universo rítmico, foi o Bateria Brasileira. A concretização dele coloca esse instrumento na frente do palco. E a questão não é só estética. Ao contrário: é desejo deste educador chamar atenção para a sonoridade que a bateria possui – e nada melhor que colocá-la pertinho da audiência! Esse projeto já foi apresentado em diversos espaços culturais do Ceará, de Fortaleza às regiões Norte e Sul, no Centro Cultural do Banco do Nordeste localizado em Sousa, na Paraíba, e em Brasília, quando foi selecionado em 2004 para participar do Bibliomúsica, um projeto da Biblioteca Demonstrativa situada na capital federal. E é executado até hoje.
Além dele, outros projetos surgiram: Literatura Brasileira no Cinema; Poesia Blues e Rock and Roll; Machado de Assis: uma (re)visão de suas poesias, crônicas e de seus contos; O Nordeste e o Brasil em Luiz Gonzaga; Educação e Empreendedorismo: você, artes, culturas e inteligências; Poemário Musical; Lima Barreto: cronista do Brasil; Instrumental Blueseiro; Moreira Campos: contista do Ceará; O fantástico literário em Murilo Rubião e outros ainda. Conceitual e dialeticamente, são projetos que buscam ressaltar possibilidades diferenciadas da Arte e da Educação, sendo importantes para que se possa pensar didaticamente em vertentes que priorizem o ser humano em suas incompletudes. Em outras palavras: na visão deste articulista, os setores educacional e artístico devem trabalhar com linguagens que enriqueçam o universo cultural do discente, numa aproximação que decodifique mundos que nem sempre fazem parte das experiências que possuem. Sei que muitas vezes isso já é feito! Mas é sempre importante destacar e chamar a atenção das pessoas para novos percursos, que saiam do lugar comum e que, fundamentalmente, possam funcionar como elos diferenciados de compreensão, de interpretação e de interferência.
O resultado? Reafirmada a Educação como fator preponderante na construção de conhecimento, e da Arte como uma área que vai muito além da questão do mero entretenimento, poderemos ter possivelmente um mundo melhor, mais justo socialmente e mais feliz. Sonho de educador? Sim! Mas gosto de gente. Gosto de ser gente! E sonho que se sonha junto é realidade, como já disse o escritor Miguel de Cervantes, em citação retomada pelo grande poeta Raul Seixas!