DIANTE DOS MOVIMENTOS desestabilizadores de nossa democracia, iniciados com as manifestações de rua em 2013, preparando o clima de instabilidade social para que a produção da narrativa golpista iniciada por Aécio Neves (PSDB – MG) em 2014, logo após o resultado daquela eleição presidencial, pudesse se instalar, prosperar e consolidar-se com o Golpe de 2016, cabe-nos indagar que princípios, valores e atitudes precisam ser revisitadose revigorados para podermos recuperar nossa normalidade democrática ora ameaçada abertamente pelo apoio do presidente da República aos atos dominicais bolsonaristaspedindo pelo fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e o retorno à Ditadura Militar com o AI-5.
O princípio básico trata da universalidade de nossa cidadania. Antes mesmo de sermos de direita ou de esquerda, progressistas ou conservadores, homens ou mulheres, somos cidadãos da República Federativa do Brasil com plenos direitos civis, políticos, econômicos e sociais. Reza o Artigo 5º de nossa Constituição: “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.Portanto, nosso Estado de Direito foi instituído para GARANTIR E ASSEGURAR a todos os brasileiros e brasileiras o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça COMO VALORES SUPREMOS de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, comprometida com a solução pacífica dos conflitos. São esses os valores que devem nortear todo o nosso arcabouço econômico, político, jurídico e social. São simultaneamente nosso ponto de partida e nossa meta. Da forma como nós possuímos, pensamos e respeitamos nossa Constituição, implica o modo como agimos em nossa construção societária. Uma Constituição não pode ser apenas uma mera declaração de princípios, precisa tornar-se vida de cidadãos e instituições.
Sobre o tema “Unidade” muito já se falou, principalmente no campo progressista, em virtude da desproporção da correlação da força econômica e política entre Capital e Trabalho. Recentemente, na premiação do Oscar em fevereiro de 2020, o excelente documentário “American Factory”, vencedor nessa categoria, que retrata a grave crise social de 2008-2009, causada pela especulação dos grupos financeiros estadunidenses, acarretandodesemprego em massa e queda dos valores salariaisnaquele país, a diretora Julia Richert em seu discurso como vitoriosa daquela noite disse: “A vida poderia ser melhor em qualquer lugar. As pessoas vestem uniformes das fábricas, batem o cartão de ponto, tentando fazer suas famílias ter uma vida melhor. A classe trabalhadora tem tido dias muito difíceis e acreditamos que as coisas só vão melhorar quando os trabalhadores do mundo unirem-se em sua luta por dias melhores, pela dignidade de suas vidas, pela justiça distributiva”.
Também vamos encontrar no pensamento recente do Papa Francisco uma preciosa reflexão sobre o tema, em sua homilia no dia 31 de maio passado, que possivelmente pode trazer luzes para a questão. Francisco lança uma pergunta corajosa aos cristãos católicos: “O que nos une,em que se baseia a nossa unidade?”. Ele responde: “O segredo da unidade da Igreja (Católica) é o dom. Porque o Espírito é dom, vive doando-se”.
E qual a importância da percepção de Deus enquanto dom?
Continua Francisco: “O nosso modo de ser cristãos depende de como entendemos Deus. Se tivermos em mente um Deus que retém para si, que toma, que se impõe, desejaremos também nós tomarmos e impor-nos: ocupar os espaços, reivindicar nossa importância, lutar pelo poder. Mas se tivermos em nosso coração que Deus é dom, tudo muda”.
Analogamente, partindo dessa base conceitual franciscana, nossa prática democrática depende diretamente da forma como entendemos a democracia. Nosso ordenamento democrático brasileiro somente se consolidará quando todos e cada um se empenharem numa transformação profunda que modifique as relações sociais, políticas e econômicas, garantindo a participação de todos os cidadãos na construção de nossa nação. Formas estáveis de democracia pressupõem condições efetivas e seguraspara os cidadãos exercerem plenamente seus direitos e deveres. E para garantir esse processo é urgente reabilitar os valores da liberdade e pluralidade política, da solidariedade humana, da justiça distributiva dos bens para todos, da pacificação, rompida desde o Golpe de 2016,pela qual todos anseiam.
Entres os deveres do Estado e da Sociedade figuram gravados em nossa Carta Magna a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Destaca-se ainda a afirmação dos direitos fundamentais da pessoa humana, com forte e expressivo repúdio à tortura e ao racismo. E como crime imprescritível encontram-se todas as ações contra a ordem constitucional e o Estado de Direito, como ocorre com as mobilizações bolsonaristaspelo fechamento do Congresso, do STF e pelo retorno da Ditadura Militar apoiadas por Bolsonaro.
Por fim, todo o radicalismo imposto do Mercado Financeiro em obter lucros ávidos e imediatos, tomados sópara si, contrários às políticas de desenvolvimento e distribuição de renda e riqueza, configura um afronta à nossa ordem constitucional. Bem como outro radicalismo reacionário de organizações ruralistas que, absolutizando o direito de propriedade, recorrem a tudo, inclusive à violência armada, para impedir o acesso à terra por parte daqueles que nela querem trabalhar para produzir, sair da pobreza e viver dignamente com suas famílias. E logicamente, o aviltamento dos direitos e das condições de trabalho e de vida da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, manifestado recentemente nas reformas trabalhistas e da previdência, como também a ausência de uma política de Estado que vise a combater efetivamente o elevado nível de desemprego no país, configuram uma forte ataque à ordem constitucional.
Como se vê, o não cumprimento de vários preceitos constitucionais é uma das causas fundamentais da tensão que conspira contra a unidade de nossas relações sociais.Algo precisa mudar urgentemente em direção à retomadada construção de um Estado de Bem-Estar Social e Ecológico. Como registro, hoje, 11 de junho, o Brasil contabiliza mais de 40 mil mortos (dados oficiais) pela “gripezinha de Bolsonaro”.