A história da ciência é um cemitério de erros. Karl Raymond Popper (1902 – 1994) nos diz que o conhecimento é uma aventura em aberto. A ciência de amanhã desconhecemos hoje e pode desmentir o que hoje aceitamos como válido. Examinando o conhecimento humanístico, o autor citado adverte que a tentativa de trazer o céu para a terra tem resultado em inferno, ressaltando, todavia, que a ciência é uma atividade, talvez a única, em que os erros são sistematicamente criticados, o que permite corrigi-los. Michael Oackeshott (1901 – 1990), no pequeno grande ensaio “A torre de babel”, analisou numerosos mitos que representam a tentativa descrita por ele como invasão do céu. Todas terminam em desastre.
A tentativa de enunciar leis históricas, formulada pelo positivismo, falhou. Sua tentativa de estabelecer uma moral científica também falhou. A iniciativa de uma religião não teísta nem deísta, porém, persiste na forma de “resíduo” e “derivação” como passamos a examinar. A tentativa de replicar o evolucionismo biológico nas ciências humanas, dominante no século XIX, também falhou, mas se mostra persistente. Resíduos entendidos como sentimentos inscritos na natureza humana, e derivações ou sistemas intelectuais que justificam erros ao modo de um viés de confirmação, conforme Vilfredo Pareto (1848 – 1923), dificultam a correção de erros e a recepção da crítica.
A era da informação ensejou a divulgação da crítica, quebrou o monopólio das tribunas e modificou os lugares de fala, expressão popularizada pelo livro de Djamila Tais Ribeiro dos Santos (1980 – viva), “O que é lugar de fala?”, que enfatiza a condição social da pessoa como condicionante do que é dito e entendido. Fernando Henrique Cardoso (1931 – vivo), na obra “As ideias e o seu lugar”, examinou as ideias considerando a influência do contexto social em que são produzidas, de modo semelhante ao que Popper critica na obra “O mito do contexto”.
O argumento de autoridade, porém, de modo diverso do “lugar de fala” e do contextualismo, é ainda distinto dos fundamentos epistemológicos e factuais. Títulos acadêmicos, universidade prestigiosa, revista ou a editora que publica as obras do autor são argumentos de autoridade. Trata-se de aspectos alheios ao mérito, por isso considerados extrínsecos ao discurso em análise. Ignora o conselho Friedrich Nietzsche (1844 – 1900): ria de todos os mestres. É paradoxal que as universidades prestem culto aos títulos, classifiquem revistas e editoras conforme o prestígio que elas têm e supervalorizem o currículo do autor de uma ideia. É até justificável o leigo reconhecer as próprias limitações e não examinar o mérito das questões. Intelectuais, todavia, têm obrigação de analisar os fundamentos do que comentam. Também os leigos que pontificam sobre um tema devem valer-se dos processos de validação. É paradoxal invocar a ciência, que prima pela crítica sistemática, como ortodoxia, para silenciar a crítica.
São necessárias a crítica da crítica; a vigilância epistemológica; o escrutínio dos dados. A citação de fontes é oportuna para que o interessado possa conferir ou aprofundar o que é dito; para, sem mais delongas, esclarecer algum ponto; por consideração a quem, por autocrítica, não ousa examinar o tema posto; para não parecer que estamos assumindo autoria do que não nos pertence; nunca, porém, como argumento de autoridade. É paradoxal ciência, lugar da crítica com a qual se procede a correção dos seus erros, ser usada como ortodoxia.