O HIPÓCRITA FOI VAIADO – Alexandre Aragão de Albuquerque

Todo repórter deveria ser um investigador, principalmente agora quando há tanta informação disponível. Existe uma enormidade de bancos de dados disponíveis. Mesmo em uma matéria diária, um repórter pode usar técnicas de investigação alcançando fatos e pessoas a quem antes nunca teria acesso, apresentando aos leitores a notícia mais próxima da verdade.

 

A sentença acima faz parte do pensamento do jornalista estadunidense Walter Robinson, chefe de uma equipe de jornalismo investigativo do jornal Boston Globe que cobriu o grande escândalo de pedofilia (2002) envolvendo dezenas de sacerdotes da tradicional Igreja Católica em Boston (Massachussets – EUA). Essa cobertura foi premiada com o Pulitzer, prêmio anual outorgado a pessoas que realizam trabalhos de excelência na área do jornalismo, concedido pela Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque.

 

Dois fatos importantes para fazer essa investigação vitoriosa. Primeiramente a chegada de uma perspectiva de fora do dia a dia convencional daquela equipe acostumada a um tipo de olhar condicionado sobre os fatos. Marty Baron, designado novo editor-chefe daquele jornal, no primeiro dia de reunião ficou incomodado com o fato de sobre os processos envolvendo determinado sacerdote haverem sido imposto silêncio (ocultação) por parte do juiz da comarca. Baron determinou para a equipe de Robinson investigar profundamente os processos envolvendo aquele padre. Em segundo lugar, o talento dos jornalistas que compunham a equipe investigativa estar ligado a um pensamento de trabalho cooperativo e ético, tendo em vista alcançar um bem maior. Todos estavam dispostos a se ajudar mutuamente. Não se almejava o sucesso pessoal, mas a vitória coletiva. A partir deste trabalho, o olhar sobre a prática da pedofilia por parte de agentes de instituições religiosas ganhou um novo vulto internacional.

 

Desde que as forças do Golpe 2016 assumiram o poder, temos assistido a uma contaminação das instituições brasileiras pela lógica golpista autoritária fundada numa ideologia de retrocesso das conquistas democráticas e entrega de nossa soberania ao capital internacional; por disputas internas pela hegemonia; pela corrupção generalizada a partir de discursos baseados na mentira (fakes) e na dissimulação e ocultação dos fatos de natureza pública; pela negação da política, buscando-se a homogeneização da sociedade por meio da intimidação e do discurso do ódio, alimentado diariamente no oligopólio dos meios de comunicação.

 

Recentemente a ex-líder do governo Bolsonaro na Câmara Federal, deputada Joice Hasselman (PSL – SP), denunciou em programa de televisão em rede nacional que os filhos do presidente da República são responsáveis por uma rede digital com mais de 1.500 perfis falsos cujo objetivo é produzir campanhas de difamação de personalidades públicas além da emissão de notícias falsas (fakes) utilizando-se de aplicativos de mensagens. É uma importante denúncia que pode levar ao impeachment do presidente. Mas ao mesmo tempo emerge a pergunta de como uma pessoa, partidos políticos, setores das igrejas cristãs, setores do capital nacional, sabedores desses e de outros fatos, apoiam e continuam apoiando um governo que se alicerça nesta práxis de lesa-democracia?

 

Por outro lado, no sábado, 19, ao fazer uma palestra para empresários sobre ética (sic!), Deltan Dallagnol, o procurador do “powerpoint” e da “ausência de provas”, foi interrompido por uma estrondosa vaia oriunda da plateia. Essa inédita atitude popular de repulsa a este agente público deve-se ao fato de o jornalismo investigativo do The Intercept Brasil haver revelado os delitos cometidos pelo conluio de Curitiba, onde o procurador manipulava juntamente com o juiz Sérgio Moro para condenar o presidente Lula com nítidos objetivos de impedi-lo de disputar as eleições de 2018. Além disso, “The Intercpet” revelou que o projeto pessoal do referido procurador era aproveitar a fama obtida pela exposição midiática da Lava Jato para enriquecer por meio de palestras sobre ética nas empresas e combate à corrupção. Mais ainda, numa outra obscenidade, Deltan Dallagnol afirmou que imaginava lançar quatro procuradores como candidatos ao senado, e dizia: “Pobre do senador Álvaro Dias (parceiro deles na Lava-Jato), eu vou derrotá-lo, porque só tem uma vaga e a vaga é minha”. Estava fundando o partido dos procuradores.

 

Alexis de Tocqueville já anotara que a soberania de um povo e a liberdade de imprensa são coisas inteiramente correlativas. Não há democracia sem a liberdade de investigar, de escrever e de publicar. Essa é a marca que os trabalhos do “Boston Globe” e o “The Intercept Brasil” estão deixando para a história. O único meio de neutralizar a ação nefasta de uma imprensa monopolista é multiplicar exponencialmente as agências e os espaços de produção da notícia, porque a opinião pública atingida por apenas um ângulo de visão orquestrado pelo bloco do capital midiático, acaba não conseguindo resistir a seus golpes, sendo por este dominada. Salve Glenn Greenwald com seu trabalho republicano!

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

Mais do autor

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .