O contágio da esperança

Esperança não se trata de mágica, nem de formulações fáceis. Mas de uma séria trajetória de vidas, despedaçando o bloco histórico da maldade, pela plantação e cultivo de novos jardins, a partir do rigor ético pessoal fraterno, alicerçando os vínculos sociais, materializando-os em novas instituições garantidoras do bem coletivo.

 

A imagem cristã de Jesus Ressuscitado reveste-se de grande força simbólica para o enfrentamento da crise que estamos a deparar. Afinal, Ressuscitado e Crucificado são a mesma pessoa. Revela a vitória da bondade sobre a tirania, da sabedoria sobre o obscurantismo, da solidariedade sobre a avareza, da verdade sobre a mentira, da insistência da vida sobre a morte. Esperança é o chamado destinado, em primeiras pessoas, aos cristãos e cristãs de todo o mundo.

 

O Crucificado vive em si injusta privação. Em seguida, sofre o terror da tortura e do escárnio. Por fim, padece pelo abandono. Mas mantém a centralidade do seu ser. É a unidade com seu centro vital que lhe faz capaz de atravessar o inferno para chegar à outra margem do rio, ressuscitando.

 

Portanto, esperança tem a ver com unidades. Indiferença é terreno para desesperos e revoltas. Unidades não existem no plano abstrato. Unidades não acontecem por acaso; são fenômenos concretos resultado de múltiplas determinações, de múltiplos esforços de novas sínteses. A pandemia, ao confinar pessoas em casa, não as confina em um mesmo padrão de qualidade. Há quem esteja em casa refreando o ritmo frenético da vida, apoiado no bem-estar do seu lar, desfrutando da companhia de familiares e usufruindo de desmesurados recursos materiais e financeiros. Ao mesmo tempo, nestes dias de tanta angústia e dificuldades, há uma enormidade de trabalhadores e trabalhadoras temendo pela vida e pelo desemprego, pela ausência de uma ampla e consistente rede de proteção social que lhes garanta o necessário para uma sobrevivência digna. São habitantes das periferias, das favelas, dos abrigos, das ruas e dos campos de refugiados em todo o Planeta. Não se pode falar em unidades com essa discrepância econômica abissal, onde uma enormidade de pessoas está excluída da globalização neoliberal, pelo contrário, sofrendo os danos pela ausência de renda digna, de direitos básicos e de garantias de proteção social.

 

É atribuída ao arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara (1909-1999), a seguinte sentença proferida nos anos de chumbo da ditadura militar brasileira (1964-1985): “Quando dou esmolas aos pobres, chamam-me de santo. Quando questiono sobre as causas injustas geradoras da pobreza, chamam-me de comunista”. Por sua vez, o Papa Francisco em recente carta endereçada aos Movimentos Sociais e Organizações Populares, em 12 de abril passado, denuncia que as soluções do Mercado não chegam às periferias, com o agravante que a globalização financeira neoliberal desmantelou os sistemas de proteção social de diversas nações impondo a privatização dos sistemas de saúde como da previdência social: “Eu sei que muitas vezes não são reconhecidos adequadamente porque, para o sistema capitalista, vocês são verdadeiramente invisíveis. Além disso, são vistos com suspeita por reivindicarem seus direitos, por meio da organização popular, em vez de ficarem resignados à espera de ver se cai alguma migalha das mãos daqueles que detêm o poder econômico”.

 

Esperança e unidades têm a ver com organização. Arregaçar as mangas e trabalhar junto com famílias, bairros, categorias sociais, na luta para um novo tempo de justiça social distributiva. Esperança e unidades têm a ver com pedagogias libertadoras, aprendizagens e questionamentos.

 

Para o Papa Francisco, é chegada a hora da implantação de uma renda mínima universal que reconheça, garanta e dignifique o trabalho humano, insubstituível na produção da riqueza concreta e real. Uma renda mínima universal que seja expressão do pensamento cristão: nenhum trabalhador (a) sem direitos. A Esperança é um contágio diferente que se transmite de coração para coração, porque o coração humano alimenta esperanças de abrirem-se novos caminhos.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .