Nenhuma palavra de pesar às famílias de luto

Já são 77 mortos no Brasil. Vidas cujas trajetórias foram encerradas pelo vírus covid-19. Setenta e sete famílias sofrendo pela perda precoce de uma pessoa querida. A dor da alma não dá para ser medida pelas estatísticas financeiras das bolsas de valores, nem pelos balcões de vendas das lojas dos shoppings centers. Com toda certeza, pode ser aliviada pela solidariedade verdadeira dos membros da comunidade local e nacional. Quem sabe, amanhã, seremos um de nós a sofrer esse luto?

 

Entre muitas coisas esses óbitos vêm denunciar um dado importante. Até agora, a relação entre infectados pelos vírus e os casos fatais está atualmente na ordem de *2,7%*, um índice bem acima das previsões feitas por profissionais de saúde. Num cenário adverso, caso seja mantida esta proporção, ocasionará um número bastante elevado de vítimas fatais a acontecer no Brasil. Numa projeção otimista se tivermos 10 milhões de infectados em todo o país (5% da população), a previsão seria a de alcançarmos um total de 260 mil óbitos.
Nos Estados Unidos, que agora começam a despontar como o novo epicentro da pandemia, *já são 83 mil casos de pessoas infectadas pelo corona-vírus*, com uma taxa de mortalidade da ordem de *1,5%*, resultando em 1.201 pessoas mortas pela doença até o momento. Mas, segundo a Universidade Johns Hopkins o número de infectados pode ser ainda maior. Lá há uma projeção de que 70 milhões (no mínimo) a 150 milhões (metade da população) de pessoas serão infectadas. Caso essa proporção de 1,5% se mantenha, existiria uma possibilidade real de os estadunidenses sofrerem a morte de mais de 1 milhão de familiares.

Para o enfrentamento deste agente agressor invisível, o governo dos EUA, por meio de um acordo entre os parlamentares republicanos e democratas, anunciaram neste dia 25 de março, um plano de estímulos econômicos e de suporte às famílias estadunidenses *no valor de US$ 2 trilhões*. O presidente Donald Trump já sinalizou que irá promulgar as medidas porque “quanto mais tempo demorarmos, mais difícil será para a economia”. O economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), numa sábia lição sobre o enfrentamento da crise de 1929, afirmava que era preciso “concentrar todos os esforços para a superação da crise hora presente, afastando especulações sobre o futuro”. No Tratado sobre a Reforma Monetária (1923), afirmou: “O longo prazo, deixar para depois, é um guia enganoso para os assuntos atuais. A longo prazo estaremos mortos”. A única certeza que temos é que são tempos de completa incerteza. E nesse quadro é preciso agir com sabedoria e sensibilidade em defesa da vida humana, livre de preconceitos ideológicos, de ódio de classe e de apego a projetos pessoais.
No dia 24 de março, o presidente Jair fez um pronunciamento em rede nacional de televisão, para defender pela enésima vez a sua posição pessoal de priorizar a economia (o dinheiro) como um valor mais importante do que o valor das vidas humanas diante da pandemia do corona-vírus. Atacou governadores e culpou a imprensa por aquilo que considera “clima de histeria” instalado no país. E arrematou: “O que se passa no mundo mostra que o risco é de pessoas acima de 60 anos”.

 

Provavelmente, para ele, pessoas acima de 60 anos devem ser consideradas descartáveis, da mesma forma que Hitler descartou 50 mil alemães nos anos 1940, condenando-os à câmara de gás.

 

No dia 24 o Brasil já contava 46 mortos devido ao corona-vírus, mas em seu pronunciamento em rede nacional, Jair foi incapaz de dirigir qualquer palavra de solidariedade às famílias brasileiras enlutadas em sua dor. Além disso, no dia seguinte, decretou a liberação da realização de cultos religiosos, como atividades essenciais, favorecendo desta forma a ampla concentração de pessoas nesses templos do mercado da fé (Decreto 10.292 de 25 de março de 2020). Com que objetivo agiu assim? Defendendo que interesses?
Em uma de suas interlocuções no Palácio da Alvorada, na quinta-feira 26, afirmou que “o brasileiro entra no esgoto e não acontece nada”, minimizando mais uma vez a pandemia do corona vírus, perdendo de vista inclusive a responsabilidade internacional que as nações devem ter nesse enfrentamento, uma vez que é um vírus que está circulando por todo o planeta.

 

E ainda está fazendo a propaganda do medicamento hidroxicloroquina como tratamento para a doença, chegando a dizer que “daria as duas caixas que tinha para quem precisasse” (Populismo ou mais um ato falho?). Como se sabe, não há ainda uma comprovação científica da eficácia desta droga como tratamento universal para todo e qualquer paciente. Ou seja, é uma medicação que só pode ser ministrada com acompanhamento médico. Entre os efeitos colaterais, foi verificada a labilidade emocional (mudança de humor repentina do paciente), a exacerbação de quadros de porfiria (inflamação cutânea) e anorexia, entre outros efeitos.

 

Por fim, Jair não consegue manter a unidade política necessária ao enfrentamento de uma crise complexa. No encontro com os governadores da região sudeste, a sua postura foi desastrosa, num embate aberto com o governador João Dória (o famoso bolsodória), deixando transparecer *a sua fixação constante: a eleição de 2022*. O governador de Goiás, o médico Ronaldo Caiado (DEM), aliado de primeira hora, rompeu publicamente com Jair, enfatizando que “o presidente perdeu as condições de liderar o combate ao corona vírus. Minha indignação é ele tratar de um assunto do qual ele não tem o menor conhecimento e não se assessorou de ninguém ao produzir um texto tão irresponsável”, sobre o pronunciamento do dia 24.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .