Marisa Lajolo – professora, crítica literária e escritora – já afirmou, em seu livro Do mundo da leitura para a leitura do mundo (1997), que “ou o texto dá um sentido ao mundo, ou ele não tem sentido nenhum. E o mesmo se pode dizer de nossas aulas”. Em relação a este cronista, tal afirmação trouxe um incômodo, sendo ele presentificado em reflexões de possíveis caminhos e percursos diferenciados e criativos no entorno dos significados da grande jornada de ser professor.
Nesse sentido, analisa-se aqui o professor como um agente educacional com fortalecimento e crença para seguir adiante, e para dialogar com honestidade intelectual e humana com os estudantes. Portanto, tenta-se compreender qual o papel dele enquanto educador em toda essa conjuntura. Tais meditações surgem com a certeza da existência de alguns pontos já delimitados e compreendidos interna e externamente: um educador necessita ser alguém interferente, com uma postura centrada na construção do conhecimento acadêmico, mas também com força suficiente para focar os contextos libertários e revolucionários que a educação precisa ter!
Em todo o quadro, Lajolo compara e questiona no mesmo recorte os sentidos textuais e o fazer educativo. Em outras palavras, ela problematiza a função da educação no entorno do campo textual, que tenta ser um instrumento alfabetizador das pessoas, fazendo-as – ao longo do percurso de estudos – letradas. E, a partir daí, competentes para entender a circulação e o fluxo processual que envolve o diálogo entre os seres humanos e os textos circulantes no meio social.
Toda essa conjuntura é ainda mais preocupante quando se observam os problemas relacionados ao ato da leitura literária, a qual ocupa um lugar de destaque – ou, pelo menos, deveria ocupar – no ensino regular, tanto no fundamental quanto no médio e, até mesmo, mas em menor escala, no superior. Ou seja: trata-se de um processo de longo prazo, que envolve posturas democráticas por parte do professor, atrelando as letras a outras linguagens, tais como o teatro, a música, o cinema, a dança e outras mais. Há ainda que se lembrar, mesmo em toda essa macroestrutura funcional, que a literatura envolve também aspectos outros, bastante diversos.
Nesse sentido, sabe-se que se trata de um trabalho de criação de linguagem, que representa ações, ideias e sentimentos humanos, além de desenvolver no receptor sua cultura linguística, apurar sua sensibilidade artística e incentivar sua relação com o mundo. Ao mesmo tempo, termina por ser um instrumento intelectivo, funcional, ideológico, prazeroso e cultural. E tudo isso compreendendo que, como apregoa a Linguística: em um texto, o significado de uma parte não é autônomo, pois ele depende de outras partes com que se relaciona. A partir daí, há a reelaboração da memória, da atenção e do raciocínio, além do aspecto emocional, presente em vários gêneros textuais com mensagens que “tocam” as pessoas – afinal, as palavras significam…
Portanto, com tal amplitude de conexões, é razoável sustentar que a leitura literária na escola envolva variadas possibilidades de interferência. Assim, focando tal conjuntura, com certeza há pressupostos operacionalizados com riqueza de manifestações, mas sem dúvida há igualmente equívocos.
Além disso, os olhos deste pesquisador conectam a literatura em torno de seus aspectos artísticos, haja vista que se trata de um jogo. Isso mesmo! A literatura se concretiza como um jogo ao qual o leitor deve se entregar, participando ativamente. Obviamente que, no início da vida, o jogo é essencialmente lúdico – que, aliás, remete à origem latina “ludus”, a qual significa exatamente “jogo” – na formação das práticas escolares leitoras. Por conseguinte, a proposta é de uma aprendizagem interativa e prazerosa, com o objetivo principal de se aprender brincando e de se realizar a potencialização do conhecimento de mundo, da oralidade e da socialização.
A seguir, na educação infanto-juvenil, ainda importa a ludicidade, mas em comunhão com outros percursos interferentes, pois se compreende que o jovem adolescente vive um período de mudanças físicas, cognitivas e sociais. Entretanto, de acordo com a literatura especializada, não se deve tratar a literatura relacionada a esta faixa etária como algo menor ou meramente lúdico. Em torno dessa conjuntura, há que se lembrar de que o jovem pode ser fisgado em sua essência; para isso, um trabalho que tenha gozo por parte do professor é fundamental. Ou seja: um educador deve gostar de ensinar! O intuito: tornar o jovem estudante num leitor proficiente, com capacidade de compreender a diversidade de gêneros textuais e seus objetivos precípuos.
E, de tal forma, conectar este estudante ao mundo hodierno, inclusive virtual. Neste ponto, convém destacar que a rede mundial de computadores não pode ser vista como adversária. Ao contrário: ela deve ser uma aliada. No contexto: que o professor esteja aberto aos seus alunos, e compreenda que um trabalho didático eficiente envolve uma construção artística, que possa transcender a ordem vigente para, assim, realizar abordagens criativas, amistosas e, com certeza, gostosas de serem assistidas e compartilhadas com afetividade.
Neste ponto, o entrelaçamento do aspecto emocional e o mundo virtual reside na força expressiva e no carisma do educador, na sua sedução de encantar e ser, realmente, um elo entre o aluno e o universo da literatura. Obviamente que existe aí o envolvimento da criança com a questão tecnológica, e com a necessidade de novos processos leitores de formação. Pois bem! Que o educador esteja preparado! Elaborando variadas e instigantes leituras de textos literários, bem como tenha uma formação minimamente digital.
A satisfação e o interesse que advêm deste quadro surgem como possibilidade de resposta para questões inquisidoras para se identificar o “verdadeiro preguiçoso”, se o estudante ou a escola – personificada no professor, com seu ensino tradicional. E, em torno de toda essa temática, a escritora Ana Maria Machado afirmou, numa reportagem já antiga à Revista Nova Escola, que “ler é gostoso”, também acrescentando que “só falta alguém que desperte esse interesse”! Portanto, a partir desses comentários de Machado, lembro que uma vez vi num zine a seguinte afirmação: “Estudante, não deixe que a escola atrapalhe seus estudos!” A refletir, pois…
Machado, na mesma matéria, também sustentou que a arte, de uma forma em geral, e inclusive a literária, não está sendo bem trabalhada no espaço escolar. Nesse sentido, segundo ela, compreende-se que a cultura criadora esteja sendo esquecida. E, na visão deste pesquisador, isso preocupa na medida em que se sabe que a arte é representação do mundo cultural, com significado, e é também expressão de sentimentos.
Essa escritora igualmente afirmou, na mesma entrevista, que na Inglaterra havia um programa de leitura bastante interessante. Disse ela: “Num determinado horário, toda a comunidade escolar – do porteiro à diretora, para o que está fazendo para ler. Cada um escolhe o que quiser, ficção ou não ficção. Quando acaba esse tempo, tudo volta ao normal”.
Dada a expressão “normal” da escritora para essa genial ideia britânica, afirme-se que, após, nada volta ao que era antes: a partir dessa experiência, com certeza as pessoas nela entronizadas ganham novas possibilidades de interferir no mundo, expressando-se melhor e tendo novos referenciais, sejam pessoais, culturais, políticos e/ou sociais.
Aliás, em 2013, quando fui professor de português num curso de Filosofia – levado a cabo pela Faculdade Católica de Fortaleza dentro do Presídio Auri Moura Costa, com supervisão da professora Márcia Bastos e do padre Luís Sartorel -, lembro que fui entrevistado pela Rede Tevê. E uma das coisas que disse na matéria televisiva foi o lançamento de um desafio para o Ministério da Justiça: que todos os presídios no país virassem escolas, com professores ali presentes, colocados num cotidiano de variadas reconstruções. Afinal, a educação humaniza as pessoas. Além de conectá-las a novos patamares de autoestima e de conhecimento sobre si mesmas.
O objetivo, a partir de iniciativas como essa, não é ser herói. Longe disso! Mas, ao contrário: Paulo Freire já sustentou que educação é serviço! E servir às pessoas linguisticamente envolve a constituição de leitores e produtores textuais críticos, cidadãos com defeitos, qualidades e, sobretudo, sujeitos históricos com habilidade simbólica de interagir com o mundo e com o outro pela intermediação da palavra. Sem dúvida, esta é uma possível e robusta trilha de encantamento.