MÍDIA: TOMBO DA JOVEM PAN PARECE INEVITÁVEL, ENQUANTO A TORRE DA LUA ARQUEJA

Na mesma linha de preferência pessoal, alinhei a rádio Torre da Lua e
a Jovem Pan, sem incluir a emissora de televisão, que é a extensão da
rádio. E lancei sobre elas a dúvida: sobrevivem? 

A indagação semelhante feita pelo jornalista Ricardo Feltrin foi: “Dá para reconstruir a Jovem Pan?”, seguida da constatação de que “a JP News chega em 2023 aos pedaços”.

Sou ouvinte das duas emissoras de rádio há uma década e meia, desde que adquiri o sítio Boa Vista na cidade serrana de Palmácea. Lá, em finais de semana e feriados, dividia a audiência da “Torre da Lua”, uma emissora local, com o rádio-jornalismo da emissora paulista.

Motivos não faltaram: em primeiro lugar  porque a JP-FM cobria com
fidelidade “estéreo” todo o país, inclusive toda a serra — decidi que
estando na fazendinha, o melhor veículo era o rádio (o meu “receptorzinho” de fabricação chinesa, munido bateria de quatro horas, com direito a bluetuf). E, embora tivesse substituído as parabólicas (ainda em bom e regular funcionamento, na lição de que “o novo meio não enterra a antiga ponte”) pela TV fechada, insistia nessas ondas
porque trazia a informação rápida, programação inteligente e eficaz,
com cobertura ampla,. A “Torre” não tinha sinal forte e ampla área de alcance, principalmente quando estava pelos lados do açude, em
lazer ou em pescaria artesanal.

O fato foi que, neste quinze anos, a Jovem Pan passou a ser fiel
companheira com seu noticiário ao vivo,
informação política, pensamento crítico a qualquer governante,
passando pelo clima das capitais, tragédias, chuvas, deslizamentos de
montanhas, trânsito, até assaltos em grandes cidades, tudo em tempo
real, como serviço ao ouvinte, com seus correspondentes em Brasília e
em qualquer outro lugar deste país, desde que a noticia tivesse peso,
fazendo crer que mesmo estando no mato, no Brasil profundo, a cidade de
São Paulo estava ali próxima, a menos de um quarteirão.

CRITICAR NÃO OFENDE

Lembro que a emissora não demonstrava qualquer paixão ou
simpatia pelo fascismo, muito menos nutria ódio pela esquerda em
geral, o petismo em particular. Mas, a partir do ano de 2017 até os
dias de hoje, mudou de rumo. Substituiu a neutralidade pela militância, adotando um discurso perverso, cruel, sem civilidade, distribuindo informação falsa, tornando-se prática comum da emissora a defesa intransigente do nacionalismo, pregação do ódio, apelo à
violência e às armas, movimento de que não se tem notícia similar nem nos
tempos da ditadura militar. Aliás, naqueles anos de chumbo não se viu
coisa tão abjeta e bajuladora, perdendo o equilíbrio da notícia, do a ouvinte diversificado,  tanto no campo como na cidade.

Recordo bem: preparada com pautas ligeiras, mas contagiantes, com uma
linguagem realmente jovem (“na lata”, como eles gostavam de dizer
para expressar um discurso direto, sem formalidades, revestido de
rebeldia e agressividade),havia ainda como carro-chefe um humor muito
pesado na JP, o programa Pânico, momentos em que os seus comediantes
ousados beiravam o engraçado, ou o trágico, batendo fundo em veias
escatológicas,  não poupando ninguém, margeando o patético, o non sense
e, algumas vezes, a loucura.

Quanto ao Pânico, a JP com os seus quadros de comunicadores,
jornalistas e comediantes, não tinha qualquer filtro, nem respeito
por ninguém e, assim, ingressaram todos em terreno duvidoso, dali se
inclinando fortemente para uma “direita fascista” provinciana,
tupinikim e barata, baseada numa tal “liberdade de expressão sem limites”,
porque, segundo interpretam em proveito de si mesmos, a Constituição
não faz nenhuma reserva dessa liberdade, como bandeira absoluta e
sagrada, o que se transformou até hoje numa marca ideológica da
emissora e dos seguidores do governo agora derrotado.

Observando os naturais tombos na mídia, por mudança de leme, sucessão,
 governo ou por outro motivo, como por exemplo, a demissão do
jornalista Jânio de Freitas – uma fonte jura que o grupo da Folha de
SP não está mais interessado no “jornalismo verdade”, porque é
acionista majoritário de um banco privado – vejo agora a inevitável
queda da JP e não foi por falta de aviso. Bastava ver que havia uma
distorção enorme, a começar que era o próprio governo que produzia
conteúdo, e a JP reproduzia, diga-se de passagem, matéria não
informativa, sem formato de serviço, mas de propaganda de governo, no
padrão ideológico e subliminar, indisfarçadamente veiculada apesar de
perniciosas fake News, com um tom que pareceria ser a nova onda do
sucesso.

Tanto isso é verdade que a JP, certamente a mais extensa rede
radiofônica do país até a minha ida para o Sítio Boa Vista.

Mesmo utilizando lances midiáticos “emprestados” de outras emissoras, muitas delas que já deixaram de  operar, o grupo criou a JP News, com uma “nova” linha editorial, baseada no discurso extremista de Jair Bolsonaro e
seus polêmicos rebentos, mais uns “miquinhos amestrados” (atualmente
fugitivos da lei, condenados pela justiça civil e eleitoral).

Desde a campanha política de 2018, uma televisão que já nasce defasada, tanto pela opção da Tv fechada, quanto a existência das redes sociais, dos
streamings  “podcast”, spotify e diversas outras plataformas.

Vejam que a opção de neutralidade ou de ataque, como manteve a Band
TV, ou a própria Rede Globo, apresentando severas críticas ao governo Bolsonaro e ao “bolsonarismo” que dele derivou, tanto em
telejornalismo aberto, quanto com a Globo News, somente elas ganharam
público, no momento crucial em que a própria emissora do Roberto
Marinho se viu jurada de morte pelo governo e acossada pelas novas
plataformas que inviabilizavam as grande produções de telenovelas e
programas mais longos de auditório e entretenimento.

APOSTAS ERRADAS

Não sabia, mas a JP não era uma emissora tão jovem, como aparentava
ser,  pois havia completado 70 anos
e, assim, detinha maioridade como
pessoa jurídica. Seu proprietário Antônio Augusto Amaral de Carvalho
Filho, o famoso Tutinha, ao apoiar integralmente o governo Bolsonaro
— adotando uma linha editorial de defesa (indefensável) da situação,
enquanto as redes mais tradicionais permaneceram longe desse radicalismo–
sabia exatamente o que estava fazendo. Ingressou em um torneio
perigoso. Era uma aposta alta, com  jogo de tripla escolha: deixar,
assumir ou tombar, de olho no fascismo, esquecendo a democracia, com
evidentes interesses econômicos, ou ideologia enrustida, não se sabe
ao certo. Mas a ascensão de Bolsonaro foi o sonho que passou logo no
início de janeiro  e sua queda constitui o pesadelo que vive a rede.

Nesse jogo, observa-se oportunismo de forma oposta: enquanto nascia JP
News, a Globo passou a demitir suas estrelas do entretenimento e do
jornalismo,  rescindindo contratos com grandes jornalistas e artistas,
produzindo protestos pessoais, ao mesmo tempo em que o seu jornalismo
restante passou a criticar o governo  de forma competente e
profissional (porque era notícia e Jair Bolsonaro realmente merecia ser
denunciado pelo desgoverno que representou).

Claro que a JP, mesmo com linha editorial nefasta, comprometida e sem
nenhuma isenção, faltando inclusive respeito aos ouvintes, havia o
lado da notícia fresca, quentinha e do humor, com uma oferta de música
pop, coisa que a “Torre da Lua” também disponibiliza, mas com extensão
em mhz tão curta e  bem pequena, sem comparação, que mal cobria a
prosaica cidadezinha de 15 mil habitantes. Agora tanto uma como a
outra agonizam em escalas semelhantes, abrindo o “bico” das
dificuldades econômicas, sem oxigênio da moeda que sempre salva quem
está no lado certo da história.

JP NÃO TEM JEITO

Simples assim: Jair Bolsonaro perdeu as eleições, não teve seu
mandato presidencial prorrogado, e a JP perdeu a conta do governo,
estimado em 370 milhões, com investimentos na nova Tv, baseada em
telespectador ou ouvinte conservador, pouco explorado no Brasil, à
semelhança da Fox News americana. Só que a emissora acabou sendo
confundida com uma marca banal do bolsonarismo, alienando seu nome de
competência profissional, em favor ao nicho conservador, perdendo,
finalmente, a sua identidade.

Por sua vez, a emissora de Palmácea Torre da Lua arqueja, contando com parcos anunciantes baseados no minúsculo comércio local.

Talvez com a vitória de Luís Inácio Lula da Silva, em seu 3° mandato presidencial, haja uma
esperança, a ver os mercadinhos da cidade com mais prosperidade, com
circulação de riqueza, gerando uma economia aquecida pelos programas
sociais que enfrentam a desigualdade, minorando a miséria e, assim, de
forma indireta e transparente, auxilie também a  “Torre da lua” a sair
da extrema pobreza.

O destino da JP parece ser o tombamento literal, a queda anunciada.
Como certificam os meirinhos da Comarca quando não encontram os
devedores: paradeiro incerto e não sabido. Esse, o seu futuro, difícil
de avaliar. Perdeu a aposta e, por cima de tudo, mantém a mesma
linha editorial, a contragosto de seu proprietário, o próprio Tutinha,
que avisara desemprego em massa,  porque, segundo ele, em reunião
fechada com executivos e jornalistas da casa, “o país mudou de patrão”.

Ontem mesmo no Sítio Boa Vista, ligado na emissora paulista, os seus
comunicadores, provavelmente inspirados na orientação do “veterano de guerra” Augusto Nunes, do intrépido Caio Coppolla ou da ex-atleta Ana
Paula Henkel, os quais já não trabalham na casa,  tentavam
convencer o velho e conservador eleitorado paulista, na composição
maior de jovens desiludidos com a politica, ou partidários radicais de
direita, malsinado curto tempo de experiência fascista, exígua
militância frente aos quarteis, que eles foram exemplos de
cordialidade, produzindo, dentro dessa avaliação generosa, autêntica
desinformação em rede.

Utilizando um velho truque baseado no cinismo,  eles comentavam que os
eleitores teriam sidos engabelados pelo noticiário falso e alarmista
dos petistas, enaltecendo que o Presidente Lula assumiu pacificamente
o governo e que as informações sobre possíveis atentados armados foram
maledicências da  esquerda, invenções dos malditos comunistas.

Feliz ano novo à Torre da Lua!

Durval Aires Filho

Durval Aires Filho é Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará, professor universitário e mestre em Políticas Públicas. É membro da Academia Cearense de Letras, tendo publicado os seguintes livros: “As 10 faces do mandado de segurança“ (Brasília Jurídica) e “Direito público em seis tempos. Autores relevantes e atuais” (Fundação Boitreaux). Antes da pandemia foi vencedor do Prêmio Nacional de Literatura para Magistrados, com a ficção “Naus Frágeis”.