Lulismo e as ameaças do neodesenvolvimento

Entre as vitórias alcançadas pela Frente Parlamentar Agropecuária contra os camponeses, povos originários e quilombolas, durante o governo petista, podemos citar os mais importantes em termos estruturais e de impactos negativos para o meio ambiente e para os direitos humanos.

I – A aprovação da Lei de Biossegurança ou Lei dos Transgênicos, aprovada em 2005, permitiu que o país produzisse sementes e comercialisse produtos transgênicos. Antes da sua aprovação, o governo já havia liberado, por meio de Medidas Provisórias [de números 113, 131 e 223] autorização para que fazendeiros plantassem soja transgênica no país. A soja é o principal produto de exportação do Brasil e, por falta de uma política industrial, contribui para o equilíbrio da balança comercial, e um dos maiores produtores é a multinacional Monsanto. Priorizar o equilíbrio da balança comercial com produção de monoculturas [produtos primários que não agregam valor] é um dos elementos que integram o projeto desenvolvimentista e de governabilidade, uma vez que o governo petista tem os ruralistas como aliados. Um aliado que tem mais iniciativa e agressividade na defesa de seus interesses do que o próprio governo. Uma lembrança importante é a de que, quando não era governo, o PT apoiava e participava da campanha da sociedade civil contra os transgênicos, uma campanha cujo slogan era “por um Brasil livre de transgênicos”.

II – A aprovação do novo Código Florestal publicado no Diário Oficial em 18.10.2012, com nove vetos por parte da presidenta Dilma. A presidenta não cedeu às pressões da sociedade civil, de ambientalistas e artistas que, em campanha pelo veto total, suplicavam “veta Dilma”. Todavia, os vetos parciais deixaram os ruralistas inconformados e ameaçando recorrer através de algumas medidas para reverteram os vetos. Tudo isso demonstra que esses aliados do governo não têm medo de enfrentar o governo, e que a aliança só serve para o governo ter o apoio deles naquilo que não os afeta diretamente em seus interesses, mas quando seus interesses são ameaçados, eles derrotam o governo. O governo petista, ao abandonar os movimentos indígenas, sem-terra e quilombolas, ao cooptar o movimento sindicalista (urbanos e os rurais ligados à Contag) e partes de ONGs, para se aliar com os ruralistas, acabou ficando refém de uma agenda que vem levando o governo para uma política de desenvolvimento conservadora.

III – Aprovação da proposta de Emenda Constitucional – PEC – 215/2000, de autoria do deputado Almir Sá [PPB-RR], na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara Federal no dia 21.3.2012. A PEC altera os artigos 49, 225 e 231 da Constituição Federal permitindo colocar como competência exclusiva do Congresso a aprovação da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e quilombolas; na Constituição atual, a competência é do poder executivo. Assim, abre-se o caminho para a ampliação e o acesso de usineiros, mineradores, latifundiários, empresas nacionais e transnacionais para acumularem terras indígenas e quilombolas no país. A PEC 215, se aprovada pelo Congresso, acelerará o processo de reconcentração de terras em curso no país. A Articulação dos Povos indígenas do Brasil – APIB é radicalmente contrária à aprovação da PEC-215 e vem se movimentando contra sua continuidade de tramitação no Congresso. Essa PEC foi arquivada no final do ano de 2014, depois de várias pressões dos povos indígenas e movimentos sociais, mas pode ser reapresentada a qualquer momento.

Em uma entrevista1 dada por Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, ao Instituto Humanas Unisinos, ele informa que das 1.046 áreas de terras indígenas no país, apenas 363 estão regulamentadas, 335 encontram-se em alguma fase do processo de demarcação e 348 são reivindicadas por povos indígenas do país. A aprovação final da PEC-215 no Congresso paralisará o processo moroso de demarcação dessas terras. A PEC- 215, como se pode analisar, é uma medida que se soma a opção de desenvolvimento petista que tem uma clara opção pelo agronegócio – que controla toda cadeia de produção, comercialização e exploração – em detrimento de um modelo focado na agricultura familiar e na proteção de nossa biodiversidade e dos povos que dela tiram sua sobrevivência.

IV – Resgate e encaminhamento acelerado do Projeto de Lei 1610/96, que tramita no Congresso Nacional e tem como objetivo regulamentar a exploração de recursos minerais em terras indígenas. O PL 1610 reforça o desenvolvimentismo agroextrativista exportador através da concentração de terras e de capital em poucas mãos. Se for aprovado, qualquer empresa poderá requerer ao Departamento Nacional de Produto Mineral [DNPM] o direito de minerar em qualquer terra indígena do país.

1 Entrevista realizada em 10.04.2012, www.ihu.br/entevistas, Acessado em 20.12.2012.

Uribam Xavier

URIBAM XAVIER. Sou filho de pai negro e mãe descendente de indígenas da etnia Tremembé, que habitam o litoral cearense. Sou um corpo-político negro-indígena urbanizado. Gosto de café com tapioca, cuscuz, manga, peixe, frutos do mar, verduras, música, de dormir e se balançar em rede. Frequento os bares do entorno da Igreja de Santa Luzia e do Bairro Benfica, gosto de andar a pé pelo Bairro de Fátima (Fortaleza). Escrevo para puxar conversa e fazer arenga política.

Mais do autor

Uribam Xavier

URIBAM XAVIER. Sou filho de pai negro e mãe descendente de indígenas da etnia Tremembé, que habitam o litoral cearense. Sou um corpo-político negro-indígena urbanizado. Gosto de café com tapioca, cuscuz, manga, peixe, frutos do mar, verduras, música, de dormir e se balançar em rede. Frequento os bares do entorno da Igreja de Santa Luzia e do Bairro Benfica, gosto de andar a pé pelo Bairro de Fátima (Fortaleza). Escrevo para puxar conversa e fazer arenga política.