LONGO AMANHECER

O ano de 2020 tem entre suas marcas indeléveis a celebração do centenário de nascimento do grande paraibano Celso Furtado, doutor em economia pela Universidade de Paris-Sorbonne, membro da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), diretor do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), fundador da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), Ministro do Planejamento do governo João Goulart, Ministro da Cultura do governo José Sarney, tendo sido um dos milhares de perseguidos políticos durante a ditadura militar de 1964-1985. Uma frase que marca a sua trajetória humana: “Pensar o Brasil foi o desafio que sempre guiou a minha reflexão”.

 

“O Longo Amanhecer”, livro publicado em 1999 pela editora Paz e Terra, constitui-se num conjunto de ensaios que pretendem responder a seguinte questão: qual a margem de autonomia que resta a nós brasileiros na condução de nosso país? Essa pergunta gera-se por meio da constatação de que a contínua redução da autonomia nacional torna cada vez mais difícil a superação de nosso subdesenvolvimento, de nossa estrutura nacional heterogênea e desigual. Como lembra o professor João Henrique dos Santos, da Universidade Estadual Paulista, para Furtado o planejamento estatal é fundamental para a autonomia nacional porque o mercado não irá substituir o Estado, principalmente no que se refere às políticas sociais, pois a lógica do mercado constitui-se na maximização de vantagens econômicas egoístas enquanto que o desenvolvimento social é aquilo que mais importa para uma nação autônoma.

 

Desde o Golpe de abril de 2016, transcorre no Brasil o desmantelamento de políticas de distribuição de renda e programas sociais implantados pelos governos do PT (2003-2014), decorrentes das determinações de nossa Constituição Cidadã de 1988, pela qual retomamos o caminho de nosso amanhecer democrático. Agora, com a chegada do ultraliberalismo (Guedes) e da extrema-direita com o fundamentalismo religioso (Bolsonaro) ao poder, estão a produzir uma aceleração desse desmantelamento, por exemplo, pelas retiradas de direitos individuais e sociais conforme as reformas trabalhista e previdenciária perpetradas, como também pela grave e longa recessão econômica de elevado custo social (25 milhões de desempregados e subempregados) com forte aumento da concentração de renda. E ainda com o conjunto de propostas de lei, pelas mãos de Sérgio Moro, visando a uma ampliação do poder policial punitivista do aparato estatal contra a população em geral, para em última instância criminalizar as ações e pautas de luta dos movimentos sociais.

 

No dia 02 de março tivemos a oportunidade de conhecer um pouco mais de perto alguns aspectos dos bastidores daqueles que estão à frente do poder central, na última entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura – SP, pelo ex-ministro Gustavo Bebiano, coordenador geral da campanha presidencial de Jair Bolsonaro, antes de sua morte prematura ontem, dia 14.

 

Em uma de suas intervenções, afirmou textualmente que em relação a uma acusação que Bolsonaro está espalhando de que Bebiano teria ligação com o episódio da dita facada de Juiz de Fora, “o seu advogado estava preparando uma interpelação ao presidente para ele esclarecer em juízo, porque ele não tem a coragem de dizer em público, revelando-se um homem extremamente covarde”. Para Bebiano a covardia é uma das marcas do gestor principal do governo federal. Continua: “Ou covarde, ou maluco. Em qualquer das duas hipóteses, acho muito ruim para o país ser gerido por uma pessoa que tem esse tipo de postura tão irresponsável”.

 

Em outra intervenção, Gustavo Bebiano adverte abertamente em rede nacional: “A sua arrogância (de Bolsonaro) está em ele se considerar um MESSIAS – ele acredita nisso – não só no nome, mas como um papel divino, ele acredita que ele é o Salvador do Brasil, e acha que todos aqueles que criticam alguma coisa, estão contra o Brasil. *Então ele se coloca como se ele fosse o Brasil*”. E conclui: “Enquanto ele (Bolsonaro) estava no Congresso, o problema era o governo; agora ele está no governo, o problema é o Congresso. O presidente, às vezes, mente”. Quantas vezes? Faltou a Bebiano explanar mais profundamente a relação de mentiras e com que propósitos foram e são praticadas por Bolsonaro.

 

O grande escritor português José Saramago, em uma apresentação pública de sua obra ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, ganhador do Nobel de Literatura em 1998, assim se manifestou: “Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sinta como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura sofrida. É um livro brutal e violento. É uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer nossas cegueiras”.

 

No Brasil do tempo presente, quem ainda tiver olhos para ver, veja, pois o amanhecer está cada vez mais distante, principalmente quando temos grupos que mentem sistematicamente para uma infinidade de pessoas que acreditam piamente em suas mentiras, em vez de encarar a verdade. A verdade nos permite assumir processos de libertação. Alguns, infelizmente, preferem manter-se na ilusão, como escravos.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .