A lógica de reformas do governo Temer, por Cleyton Monte

Desde que assumiu interinamente o governo, Michel Temer vem propondo uma série de reformas. Do estabelecimento de um teto para os gastos públicos à reformulação das políticas previdenciária e educacional. De forma geral, o Congresso Nacional, majoritariamente governista, demonstra total apoio às medidas anunciadas. A imprensa brasileira, com raras exceções, aprova as propostas. O empresariado, até o momento, deposita confiança no Palácio do Planalto. As oposições, investindo na narrativa do golpe, não conseguem unificar um discurso de contraponto. Posteriormente, analisarei os meandros de cada uma dessas reformas. O que me interessa no momento é desvendar sua lógica operacional. Consigo perceber cinco marcas.

A primeira refere-se aos efeitos a longo prazo, fugindo do caráter imediatista da administração pública brasileira. Os primeiros sinais serão sentidos provavelmente no próximo governo. Um ato estratégico? A segunda marca é a urgência. Todas as medidas divulgadas são encaminhadas e votadas em tempo recorde. O governo informa que consultas e reuniões foram realizadas, mas não dá detalhes desses encontros. A terceira marca advém da segunda: ausência de diálogo. Movimentos sociais, sindicatos e entidades da sociedade civil denunciam o caráter centralizador dessas ações.

A quarta relaciona-se às falhas na comunicação e ausência de planejamento. O governo não consegue transmitir seus planos, gerando boatos e ambiguidades, revelando despreparo no trato de temas delicados. Em algumas situações, ministros entram em contradição e os recuos são comuns. Por fim, a quinta marca remete ao caráter impopular desses atos. Os defensores das reformas utilizam incansavelmente os termos “modernização” e “sacrifício”, palavras historicamente carregadas de representações e interesses. Nessa linha, vale questionar: Qual o sentido dessa modernização? Quem deverá se sacrificar?

É importante destacar que as reformas são importantes e ocorrem no mundo inteiro, contudo, num cenário democrático, por mais árduo e burocrático que seja, devem seguir um percurso de diálogos. O argumento de que o governo não busca popularidade e que as medidas são urgentes e necessárias, além de frágil, não contribui em nada para enfrentar essas questões, reforçando a ideia de um mundo político apartado da opinião pública. A grande maioria dos brasileiros será impactada por esses atos, não seria justo e legítimo que pudessem discutir seus mecanismos? Merecemos muito mais do que propagandas informando o que já foi decidido!

Cleyton Monte

Doutor em Sociologia, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM), membro do Conselho de Leitores do O POVO e professor universitário.

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Cleyton Monte

Doutor em Sociologia, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM), membro do Conselho de Leitores do O POVO e professor universitário.

2 comentários

  1. Francisco Luciano Gonçalves Moreira

    Professor Cleyton,
    Após ler o seu texto – simples (por não ser complexo), claro (por ser inteligível) e direto (por não tergiversar) –, lembrei-me de um político gaúcho de nome Jair Soares, que assumiu o Ministério da Previdência Social no governo de João Figueiredo, o general que amava o próprio cavalo, no final da década de setenta e início da de oitenta. À época, a contribuição previdenciária do assalariado era fixada em oito por cento, incidente sobre o total de seu ganho bruto mensal. Ele, um certo dia, puxou da manga do paletó uma ideia brilhante, segundo o própio, de elevar tal alíquota para dez por cento, sob uma lógica patética: ela jamais tinha sido revista, reajustada. Se esse raciocínio fosse razoável, você já imaginou em que nível- atualmente em onze – já estaria tal alíquota? Pasme, amigo!
    Aí veio FHC e, com ele, impôs-se a reforma previdenciária mais inquietante para quem (sobre)vivia de salário, já tão perseguido pelo insaciável rei das selvas que impera nas cidades. Alguns direitos trabalhistas foram suprimidos, idade mínima e período de contribuição espichados, além da criação de regras de transição, do abono de permanência e da contribuição do aposentado. Tudo para evitar a quebradeira do sistema, como se pretende agora. Algo cíclico?! E vieram os governos dos trabalhadores (epa!). E nem a proposta de Paim – que aliviaria a conta ora paga mensalmente por quem já se aposentou, observadas as regras impostas no curso de sua vida laboral – mereceu ser levada sequer a plenário na Câmara Federal, a que dizem ser do Povo.
    Fico com Millôr: QUE PAÍS É ESTE?!