A INTERVENÇÃO NO RIO, por Rui Martinho

Fatos exigem interpretação, que consiste na busca do significado e do alcance dos mesmos. Temos uma intervenção militar no Rio? Não. É medida da competência do chefe do Executivo Federal, sujeita a homologação pelo Legislativo e foi submetida aos Conselhos da República e de Defesa Nacional. É constitucional e foi adotada pelo Poder competente.

Não sendo militar, por que nomear o chefe do Comando Militar do Leste como interventor? Foi uma opção política. Talvez revele desconfiança quanto aos quadros da PMRJ, que sob o comando de um militar seriam enquadrados por um chefe afeito à disciplina da caserna; ou porque o efetivo e o poderio bélico das facções criminosas exijam operações de natureza militar, ao invés de operações de caráter policial, tornando necessária a participação de forças federais, ao invés de uma simples intervenção na gestão da segurança.

Tem natureza partidária? Pode ser. Especula-se que poderia prejudicar a candidatura Bolsonaro, seja na hipótese do sucesso, tornando desnecessária a tese da eleição do capitão para o combate ao crime; seja pelo fracasso, levando o eleitorado a perder a confiança na solução fardada. Pode ser ainda uma tentativa de obter popularidade para ter alguma influência nas próximas eleições. Não surpreende que políticos façam política usando a máquina governamental, sem muitos escrúpulos. Seria desvio de finalidade? Não, se considerarmos a situação do Rio e que os principais críticos do governo gostam de afirmar que tudo é política.

Foi a decisão certa? Primeiro perguntaríamos: era necessária? Sim. O Estado perdeu o controle da situação. Foi feito da melhor maneira? Não. A reunião do Alto Comando do Exército, que apreciou a decisão, se deu na véspera da divulgação da intervenção. Não houve preparo ou planejamento. É preciso que o interventor tenha os meios necessários para agir, tanto meios materiais (em tempo de contingenciamento de verbas); como instrumentos legais. Seria preciso decretar o estado de defesa, para que operações semelhantes às de uma guerra não se façam com as limitações próprias de ações policiais. Não sendo suficiente, seria decretado o estado de sítio. A exigência constitucional da comoção de repercussão nacional existe: famílias despejadas de suas casas, pessoas assassinadas aos milhares, policiais caçados diariamente, autoridades forçadas a negociar acordos com bandidos, deputados intimidados. O que falta para configurar a necessidade de estado de defesa, seguido, se necessário, de estado de sítio?

Então tudo vai ser resolvido? Não. A forma de execução merece reparos, mas alguma coisa precisava ser feita. Outras medidas, porém, visando resultados de longo prazo, são necessárias. Resta saber se serão adotadas.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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