Inocente ou culpado: não pense nele, por Capablanca

Conta-se que num país ao sul da linha do Equador, um homem simples e inculto enfrentou e venceu todos os seus adversários. E seus adversários eram muitos em quantidade, e eram todos eles muito poderosos. Além de inúmeros e fortes, usaram artimanhas e artifícios, criaram e multiplicaram mentiras, perseguiram-no com mecanismos modernos, utilizaram a estrutura do Estado, mobilizaram os meios de comunicação de massa e constrangeram quem foi possível ameaçar e amedrontar. Espalharam sementes de ódio e desenterraram preconceitos que pareciam ter ficado no passado. Ainda que de forma sutil e indireta, mataram sua esposa, humilharam todos os seus filhos e difamaram seus amigos. Fizeram de tudo para isolá-lo, calá-lo, prendê-lo, condená-lo, humilhá-lo e talvez até matá-lo, fosse de tristeza, fosse pelo peso da injustiça, fosse por outras sutilezas brutais.

Para defender-se, o homem simples tinha lá suas armas: ora o seu silêncio, ora suas palavras, quando elas puderam ser ditas, quando elas puderam ser escritas. Sim, porque tentaram calar sua voz, cortando o seu direito de falar. Sim, porque lhe tiraram a liberdade, e o prenderam, para o que contaram com as imperfeições tão comuns e evidentes nos processos judiciais do país. Torturaram os dados, pressionaram pessoas e manipularam os fatos do passado, criaram um tipo de verdade nova, a pós-verdade, multiplicaram e repetiram à exaustão um tipo novo de notícia, a notícia falsa, a meia verdade e a meia mentira. Os comentaristas e analistas da imprensa destilaram sua maledicência, fizeram cavilosas reticências. O homem foi transformado, à força da sugestão repetida, em um monstro que deveria receber e expiar todos os pecados do país, e tornar-se a antena de todos os sentimentos mal resolvidos das pessoas manipuladas, que não eram poucas e vinham sendo manipuladas há tempos.

Ninguém sabe exatamente onde o tal homem arranjou forças e reuniu energias para aguentar o tranco de não ter o direito sequer de ver o sol nascer, de expor-se à luz natural e simplesmente caminhar e andar por aí. De onde ele tira essa força mental e esse equilíbrio emocional se não de alguma fonte rara, especial, invisível aos olhos, impossível de ser tocada, mas que uma vez ativa, invade e ocupa toda a terra da alma, palmo a palmo, que força é essa?

Seus adversários estiveram o tempo todo livres e unidos contra ele, desde o baixo clero até as altas cortes. Contaram com todas as trombetas possíveis, renegaram biografias, reescreveram as leis, mudaram a velocidade da justiça, relativizaram direitos, suspenderam regras constitucionais. Tanto fizeram que conseguiram acusá-lo, condená-lo e prendê-lo. Pronto, estava destruído, esperavam e acreditavam quase todos.

Você pode duvidar, mas ele está vivo e mais forte. Mesmo septuagenário, ele parece jovem. Personalidades do mundo artístico, político, jurídico, esportivo, diplomático e até gente do Vaticano vai até a prisão para visitá-lo. O Papa lhe manda um bilhete, a ONU intercede em seu favor, ex-primeiros-ministros da Europa o visitam e homenageiam. No exterior, grupos se mobilizam para pedir sua liberdade.

Ele tornou-se uma referência mundial, chegou a ser indicado para o Prêmio Nobel da Paz. Da cadeia, influencia toda a realidade política do país, como se o destino do país estivesse de alguma maneira ligado ao seu. Não importam os resultados e não importam os fatos que se sucederão mais adiante. Ele venceu, derrotou moralmente todos os seus adversários.

Lembram da brincadeirinha de criança? Não pense em Limão. Agora responda só a você mesmo: quem é este homem e quem são seus adversários? E que crime tão grave e tão brutal ele de fato cometeu?

 

Capablanca

Ernesto Luís “Capablanca”, ou simplesmente “Capablanca” (homenagem ao jogador de xadrez) nascido em 1955, desde jovem dedica-se a trabalhar em ONGs com atuação em projetos sociais nas periferias de grandes cidades; não tem formação superior, diz que conhece metade do Brasil e o “que importa” na América do Sul, é colaborador regular de jornais comunitários. Declara-se um progressista,mas decepcionou-se com as experiências políticas e diz que atua na internet de várias formas.

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Ernesto Luís “Capablanca”, ou simplesmente “Capablanca” (homenagem ao jogador de xadrez) nascido em 1955, desde jovem dedica-se a trabalhar em ONGs com atuação em projetos sociais nas periferias de grandes cidades; não tem formação superior, diz que conhece metade do Brasil e o “que importa” na América do Sul, é colaborador regular de jornais comunitários. Declara-se um progressista,mas decepcionou-se com as experiências políticas e diz que atua na internet de várias formas.

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