IDEIAS POLÍTICAS NA ERA ROMÂNTICA – por RUI MARTINHO

A filosofia romântica dominou por muito tempo as cogitações teóricas. Ciclos estéticos e teóricos passam, mas alguma coisa fica. Nas reflexões políticas as impressões digitais do romantismo são bastante visíveis. Isaiah Berlim (1909 – 1997), na obra “Ideias políticas na era romântica”, analisou pensadores ligados à filosofia romântica ainda influentes. São traços românticos do pensamento político contemporâneo o titanismo e oposição ao racionalismo.

Fatos objetivos, como os dos indicadores estatísticos de qualidade de vida, analisados racionalmente, encontram resistência injustificada porque contrariam a denúncia de algumas injustiças sociais. Temos o titanismo, que é a tendência para resistir aos fatos. Temos o uso da hipérbole, figura de linguagem típica do romantismo. Os exageros da revolta contra os males denunciados são hipérboles, contrastam claramente com a tendência secular dos dados sobre mortalidade infantil, analfabetismo, escolaridade média, esperança de vida, acesso aos bens e serviços e tudo mais.

Há também a tática descrita em análise transacional, na análise dos jogos, em que os comunicantes desempenham, ou procuram atribuir uns aos outros os papéis de perseguidor e vítima, ensejando a intervenção de um salvador. A letra da música “mulher de trinta”, de Luiz Antônio Drinkfermata, tem sido citada como exemplo disso. Nela um personagem descreve a mulher de trinta como vítima (“você mulher, que já viveu, e já sofreu, não minta”) e em seguida se coloca como salvador (“no meu olhar, na minha voz um novo mundo sinta”). Intelectuais usam de hipérbole, ao modo romântico, para tornar a vítima dramaticamente sofrida, colocando-se como salvadores ou autores da receita messiânica.

Não falta a promoção mercadológica. Sofrimento atrai espectadores e promove audiência. Um poeta romântico de sucesso disse que “todo grande amor só é bem grande se for triste”(Marcus Vinicius de Moraes, 1913 – 1980).

Os primeiros tempos da Revolução Industrial são descritos como terríveis. Crianças retiradas dos folguedos para as fábricas; mulheres arrancadas do conforto dos lares e escravizadas na indústria; altos índices de mortalidade, longas jornadas de trabalho em péssimas condições; e baixos salários. A descrição, além do jogo de vítima, perseguidor e salvador, ajuda a vender livros ou jornais e a amealhar votos, e incorre na prática do anacronismo, atitude de quem olha o passado com os parâmetros do presente. As crianças do período referido não foram retiradas de atividade lúdica. Elas trabalhavam na zona rural; a mortalidade, inclusive a infantil, era altíssima então. Os salários do período pré-industrial eram mais baixos, tanto que os fluxos migratórios voluntariamente se dirigiram do campo para as cidades. Mulheres não foram  arrancadas do conforto do lar. Viviam miseravelmente, submetidas ao duro trabalho do campo e em casa.

A falta de regulamentação das relações trabalhistas, a economia de mercado e a propriedade privada são apontadas como causa dos “terríveis males” descritos. Mas salários guardam relação com produtividade. Regulamentação não muda isso. A Revolução Industrial aumentou a produtividade e melhorou os salários, não comparados aos de hoje, mas quando cotejados com a alternativa da época. Remuneração artificialmente inflados, de pequenos grupos com poder, obtidos via regulamentação ou pressão sindical prejudicam outros grupos, como demonstrou Lawrence W. Reed (1953 – vivo). Sem o jogo da análise transacional, sem anacronismo e sem romantismo a Revolução Industrial trouxe foi melhora.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.