HEY MR. ROBERT ZIMMERMAN

Já não existem trens

Os vagabundos

Já sem poesia

São só gente com fome

Já não existem telefones fixos

Por mais que haja lágrimas do outro lado

Se é que ainda há mesmo o outro lado

As lágrimas sim ainda existem

Ainda existem ainda existem

Ainda falta muito a se passarem

Os seis bilhões de anos que decretam

A morte física do sol que conhecemos

E menos de cinco horas até que

Novamente ele apareça

E é como se mesmo ele já não fosse

Passaremos esturricados mais que nunca

As manhãs e as tardes dos dias de trabalho

Dos dias de trabalho dos dias de trabalho

E mesmo assim será já

Como se ele mesmo sol já não fosse

Já não fosse já não fosse

As transações financeiras

As pessoas à espera messiânica do salário

A gente que pede trocados

Tudo isso vai girar como uma roda

Que um dia um primitivo descobriu

E um outro anônimo desenhou

Numa carta de tarô e disse

Que era a da Fortuna e

Tereza Núbia Macambira Chagas

Por si só um verso num poema

Me explicou mais de uma vez o que dizia

Atrás dela uma estante de livros

Bem cuidados como plantas muito verdes

Dizia quem é ela

Quem é ela quem é ela

A poesia vai nascer

Num mundo sem poesia

Que precisa do desnecessário da poesia

A poesia cansada de novo da beleza

Lembrará de novo

Fome e desespero e desabrigo

Decretará de novo em vão

Que é ali que reside o avesso belo da beleza

Emanuel Régis Gomes Gonçalves

Por aí só mais um verso numa poesia

Terá uma intuição furiosa

Que tremerá imensamente

Os monólitos de Quixadá

Só os pés mais ousados sentirão

A revolução das coisas

Emanuel Régis Gomes Gonçalves

Irmão de armas e de sina

Que me deu não Natura

Mas Fortuna

Muito sabiamente

Usará suas grandes e fortes mãos negras

Para lentamente escrever um veredicto

Que eu desejo adivinhar

Adivinhar adivinhar

Como se quisesse mais que prever

Antecipar o próprio futuro

E quando nos virmos e pedirmos cachaça mineira

E de novo falarmos do excelência musical de Milton Nascimento

(Provavelmente de novo será o ocaso)

E eu quiser saber enfim o que dizia tudo isso

Ele me sorrirá

Já muito sabedor da minha ânsia sempre pueril

De quem quer saber

De quem quer saber

De quem quer saber

Tenha calma, ele dirá

Se eu não lhe disser, ele dirá

As paredes lhe dirão, ele dirá

E em algum lugar sem que ninguém tenha visto

Brotará a semente sertaneja

De uma planta que julgavam

Há muito extinta

Há muito extinta

Há muito extinta

Airton Uchoa

Escritor, leitor e sobrevivente.