Já não existem trens
Os vagabundos
Já sem poesia
São só gente com fome
Já não existem telefones fixos
Por mais que haja lágrimas do outro lado
Se é que ainda há mesmo o outro lado
As lágrimas sim ainda existem
Ainda existem ainda existem
Ainda falta muito a se passarem
Os seis bilhões de anos que decretam
A morte física do sol que conhecemos
E menos de cinco horas até que
Novamente ele apareça
E é como se mesmo ele já não fosse
Passaremos esturricados mais que nunca
As manhãs e as tardes dos dias de trabalho
Dos dias de trabalho dos dias de trabalho
E mesmo assim será já
Como se ele mesmo sol já não fosse
Já não fosse já não fosse
As transações financeiras
As pessoas à espera messiânica do salário
A gente que pede trocados
Tudo isso vai girar como uma roda
Que um dia um primitivo descobriu
E um outro anônimo desenhou
Numa carta de tarô e disse
Que era a da Fortuna e
Tereza Núbia Macambira Chagas
Por si só um verso num poema
Me explicou mais de uma vez o que dizia
Atrás dela uma estante de livros
Bem cuidados como plantas muito verdes
Dizia quem é ela
Quem é ela quem é ela
A poesia vai nascer
Num mundo sem poesia
Que precisa do desnecessário da poesia
A poesia cansada de novo da beleza
Lembrará de novo
Fome e desespero e desabrigo
Decretará de novo em vão
Que é ali que reside o avesso belo da beleza
Emanuel Régis Gomes Gonçalves
Por aí só mais um verso numa poesia
Terá uma intuição furiosa
Que tremerá imensamente
Os monólitos de Quixadá
Só os pés mais ousados sentirão
A revolução das coisas
Emanuel Régis Gomes Gonçalves
Irmão de armas e de sina
Que me deu não Natura
Mas Fortuna
Muito sabiamente
Usará suas grandes e fortes mãos negras
Para lentamente escrever um veredicto
Que eu desejo adivinhar
Adivinhar adivinhar
Como se quisesse mais que prever
Antecipar o próprio futuro
E quando nos virmos e pedirmos cachaça mineira
E de novo falarmos do excelência musical de Milton Nascimento
(Provavelmente de novo será o ocaso)
E eu quiser saber enfim o que dizia tudo isso
Ele me sorrirá
Já muito sabedor da minha ânsia sempre pueril
De quem quer saber
De quem quer saber
De quem quer saber
Tenha calma, ele dirá
Se eu não lhe disser, ele dirá
As paredes lhe dirão, ele dirá
E em algum lugar sem que ninguém tenha visto
Brotará a semente sertaneja
De uma planta que julgavam
Há muito extinta
Há muito extinta
Há muito extinta